segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

O LADO GROTESCO DA HISTÓRIA







Se em The Originals o que interessava era ou o impacto da cena (conseguida com o isolamento do quadrinho na página negra) ou o conjunto dos desenhos, em Bórgia o que interessa são os detalhes e tudo corre para eles mais do que para a história do dramaturgo, escritor e roteirista de cinema chileno Alejandro Jodorovski. Não é só a cena principal que interessa ao leitor, mas sim todo o conjunto. Se vemos Lucrécia Bórgia num convento, vemos também no mesmo quadrinho a reação das freiras, com gestos e expressões perfeitamente realistas. E isso é algo extremamente complexo e raro em se tratando de quadrinhos quando o corriqueiro(mesmo para o personagem principal) é usar um modelo para expressões (uma pessoa assustada tem a boca aberta e as mãos espalmadas no rosto, por exemplo)ao invés de um estudo de como tal pessoa se portaria em tal cena.Qualquer semelhança com as pinturas Renascentistas não é mera coincidência.
Lemos “Bórgia”como quem vê uma pintura, não como quem vê um filme. Podemos nos deter por vários minutos num único quadrinho, olhando o cenário com os pequenos animais que correm ao fundo os beberrões indiferentes a tudo, crianças e tantas outras coisas. O cinema controla o tempo em que vemos uma cena, a pintura, não e pouquíssimos quadrinistas fazem uso desta possibilidade.
Não haveria outro desenhista que não o italiano Milo Manara para trazer à vida a saga do Papa Alexandre VI e seu filho César Bórgia em sua busca ensandecida por poder. Primeiro por que Manara é mestre do traço naturalista, capaz de definir músculos, dobras de pele, rugas com perfeição, o que reflete perfeitamente o momento da história da arte em que se passa a trama, o Renascimento, quando , além de se alcançar o domínio pleno do uso da perspectiva na pintura, artistas como Leonardo e Michelangelo se aplicam em estudos de anatomia a fim de obter uma representação mais perfeita possível do corpo humano(na verdade a coisa é bem mais complexa do que isso, mas não cabe aqui um aprofundamento).
Em segundo lugar, tudo nesta graphic novel é um delírio libidinoso, com cenas absurdas (uma orgia gigantesca nas ruas de Roma, perfeitamente vista através da janela do palácio papal), erotismo e violência desmedidas, tudo muito mais próximo do grotesco do que do real. Quem conhece o trabalho Manara saber que ninguém é capaz de desenhar mulheres como ele, muito menos de fazer explodir tanta sexualidade (e ,por conseguinte, violência) nas páginas de uma HQ.
Por isso mesmo, e apesar da presença de personagens reais como o monge beneditino Girolamo Sforza e o pensador Nicolau de Maquiavel (que dedicaria o cap. 7 de “O Príncipe” a analisar César Bórgia para elucidar seus conceitos de Fortuna e Virtu), o leitor deve encarar Bórgia mais como um teatro do grotesco, ou como uma pintura de Hieronymous Bosch (pintor holandês do século XV) do que como um retrato histórico.

Um comentário:

Anônimo disse...

esse eu li e posso meter a colher : historicamente nao é nada falho nao. principalmente enquanto a posição dos borgias nas relações de mecenato e talicoisa. mas é mais um teatro do absurdo, um elogio da opulencia, e porque nao dizer, reflexo do caos que era Roma e por consequencia , uma especie de formação da personalidade ( enquanto nacao) do italiano.