terça-feira, 13 de janeiro de 2009

É HORA DE RELER PALESTINA- NA FAIXA DE GAZA



De 1991-1992 quando Joe Sacco esteve na Palestina (e colheu material para as duas graphic novels lançadas pela Conrad) para cá, muito mudou; houve acordo de paz, retirada dos assentamentos judaicos, cessar fogo, morte de Iasser Arafat , queda do Fatah e eleições democráticas (com vitória do Hamas). De 1991-1992 para cá, nada mudou.
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Na guerra nós sabemos das grandes tragédias, dos números (oficiais) de mortos, da destruição da infra-estrutura dos países e dos absurdos como bombardear um escola infantil ou um carregamento de alimentos e ajuda humanitária. Mas as pequenas tragédias, aquelas que antecedem e sucedem as guerras, estas não sabemos por que, ao jornalismo o “trivial”não interessa. As pequenas coisas, aquelas corriqueiras, os sofrimentos do dia a dia (dia a dia tem hífen?), ou seja, aqueles que temos por “normais” não valem o tempo de um correspondente internacional ou mesmo o trabalho de uma agência de notícias. Mas valeu o tempo de Joe Sacco que captou a essência da questão: aparte os interesses do hizbollah, do Hamas, de Israel, do Líbano e do Irã, há um sujeito desempregado. E por tudo isto e mais um pouco ele não consegue emprego. Não conseguia em 1992 e não consegue agora. Ele é só um palestino, a periferia da periferia do mundo. Quem se importa?
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Nesta cena há material para um livro. Em apenas dois quadrinhos Sacco não só faz o que os jornalistas do mundo todo não fazem(pois se interessam pelos Grandes Temas) como também incorpora a utilização de um meio tradicionalmente ficcional e a subjetividade da narração herdadas pela geração de Gay Talese, Truman Capote , Norman Mailer e Tom Wolfe, a do “new journalism” bem como o questionamento da objetividade do documentário e do valor da imagem como documento. Sacco coloca a si mesmo em foco e não esconde o quanto a presença dele altera emocionalmente o entrevistado(e seu relato) nem o quanto ele se sente deslocado/impotente e embaraçado com a situação. Um “e o que é que eu tenho a ver com isso” envergonhado e cheio de culpa escorre espremido destes dois quadrinhos.
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Dizer “a população palestina sofre com a falta de empregos e alimentos. Há protestos por toda parte”e, em seguida mostrar uma mulher chorando tem efeito narcotizante sobre nós, que somos em grande parte insensíveis a imagens televisivas. Vermos um sujeito chorando e fazendo um pedido humilhante e ridículo de emprego ao entrevistador é outra coisa. Não é jornalismo,não é ficção,não é documentário. É Joe Sacco.
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Escrevi em agosto do ano passado neste blog um quadro com um breve histórico do conflito na região da Palestina. Breve por que sucinto, afinal relacionei os conflitos (se bem me lembro) ,em forma de tópicos, desde a tomada de Jerusalém pelo Sultão Omar.
Ingenuidade minha achar que aquilo dava conta de explicar as tensões políticas na região.
As seguintes declarações publicadas na Folha de São Paulo do dia 8 deste mês mostram o quão pantanoso um deserto pode ser.
" Os regimes árabes, receosos com a própria estabilidade,se cuidam para não ferir os interesses americanos na região.Esses mesmos regimes estão divididos entre,de um lado,pressões populares(pró-palestinas) e ,do outro, o medo da expansão da influência do Irã por meio do Hamas" - Richard Falk , relator da ONU para assuntos humanitários na Palestina
"Se para você, a única solução estável é uma que envolva dois Estados,com os palestinos ficando com toda a Cisjordânia,a faixa de Gaza e os setores árabes de Jerusalém Oriental,você só pode torcer pelo enfraquecimento do Hamas. Por quê? Porque nada tem prejudicado mais os palestinos do que a estratégia de culto à morte do Hamas de converter jovens em homens-bomba. Pois nada seria um revés maior a um acordo de paz do que se o chamado do Hamas pela substituição de Israel por um Estado Islâmico se tornasse a posição palestina nas negociações.E porque os ataques do Hamas ao sul de Israel estão destruindo a solução de dois Estados,mais do que os insensatos assentamentos de Israel na Cisjordânia" - Thomas L.Friedman, do New York Times
"O cessar-fogo que existia antes do conflito não era perfeito;longe disso.Israel sofria ataques intermitentes de foguetes e estava ciente que o inimigo aproveitava a trégua para reforçar seu arsenal. O Hamas vem sofrendo um embargo econômico severo,o que prejudicou sua esperança de governar Gaza."- Robert Malley foi conselheiro do presidente Bill Clinton para assuntos árabe-israelenses(artigo originalmente publicado pelo "Monde"
"Os moradores de Gaza e do sul de Israel não terão calma enquanto o mundo se reusar a dialogar com o movimento islâmico e enquanto este ignorar suas obrigações internacionais" - idem
"A história dos dois últimos anos em Gaza representa a bancarrota coletiva:de parte do Hamas,qu perdeu a ocasião de agir como protagonista político responsável;de Israel, que se apegou a uma política cujo objetivo era isolar e enfraquecer o movimento e produziu o efeito oposto(...)e por fim da comunidade intenacional,que exigiu que o Hamas se transforme em partido político sem incentivá-lo a isso(...)os únicos a pagar o preço(...)são os civis dos dois lados"- Idem

Um comentário:

Anônimo disse...

Elejo este texto como o meu predileto até aqui, talvez por conta do apelo emocional e urgência do tema. É incrível como a cena ganha força com este texto. Eu que já li, percebo que é hora de reler Palestina na faixa de gaza.