sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

TAL FILHO,TAL PAI



Ontem estava lá no programa Metrópolis, da TV Cultura, Daniela Mercury, dando entrevista e cantando ao vivo acompanhada de três músicos.
Daniela  perdeu faz tempo o estigma de cantora de multidões(hoje com Ivete Sangalo e Cláudia Leite) e vira e mexe busca novas identidades, como foi o caso do polêmico Trio Eletrônico, em que colocou música eletrônica em seu trio eleétrico  alguns canavais atrás.

Dessa vez ela flerta abertamente com a tal da "seriedade"  e  com a  "profundidade". Lançou um disco com três capas diferentes, casa um deles contendo as mesmas músicas,porém em ordens diversas.
Juro que não entendi a justificativa dela e,creio,nem Cadão Volpato, o entrevistador,entendeu chongas. Mas era algo como mostrar ao público as difersas facetas dela, músicas de diversos tipos, mais lentas, com , sei lá, diferentes interpretações. Enfim, depois de "explicar" a coisa toda,ela anunciou, toda pimpona, que havia neste disco, uma versão de "Como nossos pais", do Belchior(?!?!?),eternizada na voz de Elis Regina . Daniela explicou, de um jeito que eu também não entendi(não foi culpa dela, eu é que estava mastigando sucrilhos na hora), a atualidade da música. Atualidade ou importância, ou algo por aí.

O diabo é que essa é certamente a música mais desatualizada, ultrapassada  e atualmente sem sentido do Brasil. Depois,talvez, de Eu te Amo,meu Brasil,"hino" involuntário da ditadura militar feita pela dupla   Don e Ravel. Porque Como nossos Pais fala de um mundo que nascia, o dos jovens e que buscava,não sem conflito, o direito de existir. E hoje, não tem o menor cabimento cantar que

Ainda somos os mesmos

E vivemos

Como os nossos pais...

Uma ova! Hoje,acho que ninguém se surpreende quando  eu digo, são nossos pais que vivem como nós, a "gente jovem reunida". São eles que, não sem conflito, buscam espaço no "nosso"mundo da revolução tecnológica, das redes sociais  e até dos "amores líquidos"(pra usar uma expressão do filósofo Zygmunt Bauman).
No artigo"Como se relacionam as gerações na sociedade Contemporânea" escrito para a Revista E, de novembro de 2010(nº5-ano17)a professora Vera Lucia Valsecchi de Almeida citou trecho do livro "Tempo da Memória: De Senectude e outros escritos biográficos", de Norberto Bobbio (Editora  Campus,1997):

"(...) as transformações cada vez mais  rápidas, quer dos costumes,quer das artes,viraram de cabeça para baixo o relacionamento entre quem sabbe e quem não sabe.Cada vez mais,o velho passa a ser aquele que não sabe em relação aos jovens que sabem".

Mas para alguém que, em tempos de itunes, lança três versõs do mesmo disco em que o diferencial é a capa e a sequência das músicas (sequência????) Como nossos Pais ainda deve fazer todo sentido do mundo.



Não quero lhe falar,



Meu grande amor,


Das coisas que aprendi


Nos discos...






Quero lhe contar como eu vivi


E tudo o que aconteceu comigo


Viver é melhor que sonhar


Eu sei que o amor


É uma coisa boa


Mas também sei


Que qualquer canto


É menor do que a vida


De qualquer pessoa...






Por isso cuidado meu bem


Há perigo na esquina


Eles venceram e o sinal


Está fechado prá nós


Que somos jovens...






Para abraçar seu irmão


E beijar sua menina na rua


É que se fez o seu braço,


O seu lábio e a sua voz...






Você me pergunta


Pela minha paixão


Digo que estou encantada


Como uma nova invenção


Eu vou ficar nesta cidade


Não vou voltar pro sertão


Pois vejo vir vindo no vento


Cheiro de nova estação


Eu sei de tudo na ferida viva


Do meu coração...






Já faz tempo


Eu vi você na rua


Cabelo ao vento


Gente jovem reunida


Na parede da memória


Essa lembrança


É o quadro que dói mais...






Minha dor é perceber


Que apesar de termos


Feito tudo o que fizemos


Ainda somos os mesmos


E vivemos


Ainda somos os mesmos


E vivemos


Como os nossos pais...






Nossos ídolos


Ainda são os mesmos


E as aparências


Não enganam não


Você diz que depois deles


Não apareceu mais ninguém


Você pode até dizer


Que eu tô por fora


Ou então


Que eu tô inventando...






Mas é você


Que ama o passado


E que não vê


É você


Que ama o passado


E que não vê


Que o novo sempre vem...






Hoje eu sei


Que quem me deu a idéia


De uma nova consciência


E juventude


Tá em casa


Guardado por Deus


Contando vil metal...






Minha dor é perceber


Que apesar de termos


Feito tudo, tudo,


Tudo o que fizemos


Nós ainda somos


Os mesmos e vivemos


Ainda somos


Os mesmos e vivemos


Ainda somos


Os mesmos e vivemos


Como os nossos pais...

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A ARTE CENSURADA PELO MARKETING


Em matéria de Silas Martí, no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo de 29/11 , ficamos sabendo que o Centro Cultural Oi Futuro, “bancado” pela empresa de telefonia Oi ,vetou a exposição de fotografias e vídeos da norte-americana Nan Goldin que estava marcada para estrear em janeiro no espaço carioca. Vetou porque considerou de mau gosto e ofensivo o material que continha fotos de adultos fazendo sexo ao lado de crianças ou uso de drogas e nudez. Segundo o comunicado, as obras vão contra os “os programas educacionais” apoiados por eles e que seguem “os preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente”.

O palavrório é só mais uma prova da profunda anemia intelectual dessa gente que detém o dinheiro e que “banca” o que você e eu temos o direito de ver exposto, seja numa galeria, museu, cinema ou teatro. Digo “banca” porque eles não fazem muito mais do que direcionar o dinheiro que deveria ir para os impostos através de leis de incentivo e lucrar muito com isso. Quase nada sai realmente dos bolsos deles. E,no fim das contas, é tudo uma questão de Imagem(Santo Baudrillard, rogai por nós!). Manter um espaço cultural agrega inteligência, vanguarda, modernidade,beleza e outras abstrações que os consumidores associam a arte e que transferem diretamente à imagem da marca. Programas educacionais mostram que eles não estão só interessados em esfolar os clientes mas estão preocupados, veja só, com nosso “futuro”. Sacou? E o mesmo bla bla bla vale para a tal da “sustentabilidade”.

Hoje a coisa é mais ou menos regulada, porque o Estado é quem aprova quais projetos culturais estão aptos a serem s beneficiados pela Lei Rouanet (a que permite a destinação de parcela do Imposto de Renda)e assim financiados pela iniciativa privada que pode escolher entre eles. Como quem decide o que é, ou não,  art,e é um engravatado com gel no cabelo que não entende nada do assunto, mas sim de marketing,  temos essa daltonismo mental que não diferencia uma coisa de outra e que permite, quando lhe convir, largar a arte às traças (com o HSBC fez com o Cine BelasArtes) para ir fazer propaganda com outra coisa qualquer. E dá-lhe todo mundo querendo financiar o Chico Buarque, a Maria Bethania e o Cirque Du Solei, porque,afinal, que não quer sua marca colada à imagem deles.

É uma pena, porque quem viu The Ballad of Love Dependency , de Nan Goudin, na última Bienal sabe que a nudez ali não tem essa conotação pornográfica que os engravatados retrógrados lhe atribuem. Sua obra tem a força de um soco no estômago, mas dado com toda ternura.

Lucidez absurda teve Hemingway quando, no autobiográfico Paris é uma Festa, escreveu a propósito de seus primeiros anos como escritor em contato com os muito ricos:

Quando exclamavam: “está ótimo, heim! Excelente!Você nem calcula a força que ele tem!”, eu me punha a abanar o rabo,de tanta felicidade,e me entregava àquela vida de prazeres,como se fosse apanhar uma vara que tivessem atirado para seu cachorro buscar,em vez de refletir:”Se esses cretinos gostaram do que escrevi,devo ter cometido um erro qualquer”.

***
Existe atualmente uma proposta para mudar a Lei Rouanet e, de uma tacada, tirar o poder de decisão que hoje fica nas mãos da iniciativa privada e corrigir a distorção  absurda que permite a concentração de 80  % dos recursos no eixo  rio-São Paulo. É o ProCultura, projeto de Lei o qual a iniciativa privada,como é de se imaginar, não vê com bons olhos.
A íntegra do projeto,que é de fevereiro de 2010,  está aqui:
http://www.cultura.gov.br/site/2010/02/03/74194/