quarta-feira, 30 de setembro de 2009

JORNALISTAS EM QUADRINHOS




O fascínio da ficção pelo jornalismo é grande. Só no caso dos quadrinhos a lista inclui Superman, Homem Aranha, Valentina, Questão e vários outros que fazem suas reportagens entre uma e outra peripécia. O leitor fica com a idéia de que a profissão é sinônimo de aventura,investigação e glamour , quando a realidade é bem diferente.
A jornalista recém-formada Jussara Nunes sabia bem disso quando,em julho deste ano, começou a publicar num blog a tirinha de humor “Quadrinhos Gonzo”,em que satiriza o mundo do jornalismo e os colegas de profissão. O nome,”gonzo”, é uma inteligente referência ao tipo de reportagem surgida nos anos 1960 com o norte-americano Hunter Thompson (1937-2005) e que é feita sem se preocupar com imparcialidade ou objetividade e onde o jornalista acaba por se tornar parte da matéria. As tiras já foram destaque no portal Terra e atualmente são reproduzidas no Oi Quadrinhos, site de HQs online da empresa de telefonia. “Faço por pura e simples diversão, embora não esteja descartada a hipótese de eu vir a publicá-las em algum lugar”, diz a quadrinista que é também autora, em parceria com o desenhista André Vazzios, do álbum recém-lançado “Uiara e os Filhos de Eco”.
Jussara atualmente não exerce a profissão em que se formou; o motivo,segundo ela, é relação cada vez mais desigual entre o número de formados e as vagas disponíveis. “Se antes eram necessários dez jornalistas para se fazer uma revista mensal, hoje só se precisa de quatro”, situação que, acredita, tende a se agravar agora que os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) lhe atiraram uma kriptonita na forma da queda da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão. “Jornalismo para mim nem devia ser mais faculdade mas, na melhor das hipóteses, uma pós-graduação”. E se todo mundo ganhou super-poderes para poder levar essa vida de Clark Kent , ela já não sabe bem para onde ir: “ Penso em investir em ilustração ou redação publicitária ,embora seja outro meio apinhando de gente”. Mas e as HQs? “Quadrinhos para mim nem é uma ´área´ propriamente dita, pelo menos não no Brasil”.
Quadrinhos Gonzo funciona como um tipo de dupla vingança da autora, primeiro por que nasceu no mesmo mês em que o diploma deixou de ser obrigatório, segundo por que usa justamente os quadrinhos para mostrar uma imagem mais desglamourizada possível do jornalismo. As tiras riem desse dia-a-dia monótono e repetitivo, marcado não pela aventura, mas sim pela jornada de trabalho extenuante , gente vaidosa ou por coisas tolas como uma discussão sobre quem vai trocar uma lâmpada. Isso se manifesta até nos desenhos, feitos no computador, sem detalhes ou cores e que refletem com perfeição esse cotidiano “sem graça” que pouca gente associa à profissão. A graça ,então, está em perceber que se Superman realmente existisse e fosse um jornalista de verdade, ele não teria tempo para sair voando e salvar o mundo, simplesmente por que estaria ocupado demais cumprindo os prazos de fechamento das matérias, atendo assessorias de imprensa ou levando broncas de um editor turrão. Para baixo e avante !
!!!
Quadrinhos Gonzo:
Oi Quadrinhos:

terça-feira, 22 de setembro de 2009

AS VÁRIAS FACES DE WILL EISNER


Invisibilidade ( literal ou metaforicamente falando) é o conceito que liga os quatro trabalhos de Will Eisner produzidos entre 1981 e92 e que estão reunidos neste Nova York- A Vida na Grande Cidade, calhamaço de quase 500 páginas lançado pela Companhia das Letras e que reúne duas graphic novels,“O Edifício” e “Pessoas Invisíveis” e material “extra” compilado em dois tomos, “Nova York, a Grande Cidade” e ”Cadernos de tipos Urbanos” . No primeiro caso produzidas é material feito originalmente para a revista norte americana The Spirit Magazine entre 1981 e 83, no segundo, situações que ficaram de fora de outras graphic novels . Ambos são compostos por pequenas histórias, as vezes apenas vinhetas, que esquadrinham situações cotidianas. Quanto a “O Edifício” ,vale dizer que não é inédito no Brasil, pois já fora originalmente publicado pela extinta editora Abril Jovem na década de 1990.
A leitura de “Nova York-A vida na grande cidade” leva a uma conclusão inevitável: o autor norte americano, morto em 2008, era de fato um romântico. Só isso explica sua obsessão em retratar a cidade grande como destruidora de almas e geradora de seres insensíveis e que leva os indivíduos a se tornarem invisíveis uns aos outros. Este é o tema principal não só da literatura européia do século 19(romântica ou realista), como das artes do período (a pintura de Daumier, por exemplo) que viam na industrialização e na urbanização a degradação dos valores humanos e sociais. As grandes cidades já não são tão insalubres quanto eram as metrópoles européias de duzentos anos atrás, mas nem por isso deixaram de dar sua parte na crescente desumanização de seus habitantes- o trânsito é um bom exemplo disso.
Will Eisner,por outro lado, é também claramente parte daquela linhagem de escritores norte-americanos como Charles Bukowski ,John Fante e Raymond Chandler que nunca foram seduzidos pelos mitos do american way ou do self made man e que por isso se esforçavam tanto em retratar os “perdedores” , desiludidos e coadjuvantes da vida nas grandes cidades. É do retrato do cotidiano, do banal e até do violento que surge a poesia e a beleza na obra de todos eles. A diferença é que se em Eisner existe essa tentativa quase constante de a todo custo culpar unicamente a cidade pela desumanização das pessoas, o que o joga lá para trás, em companhia dos escritores românticos e realistas-naturalistas. Essa faceta um pouco incômoda do gênio dos quadrinhos fica mais evidente no “Caderno de tipos Urbanos”, que tinha tudo para ser figurar entre suas melhores obras, se ele abrisse mão do texto e deixasse as imagens falarem por si mesmas. São fragmentos de vidas, pequenas crônicas que tocam fundo a todos nós, pois falam ,por exemplo, do apuro de um desempregado em pegar o metrô sem se atrasar para uma entrevista,que acaba não acontecendo. Tocaria ainda mais fundo não fosse a teimosia do quadrinista de se portar como um cientista num laboratório e usar o texto para explicar as coisas, reduzindo tudo a uma relação simples de causa e efeito ,e as pessoas ,como produtos diretos do meio ambiente em que vivem. Quando ele abdica da obrigação de “explicar” aquilo que mostra, nos entrega pérolas, jóias desenhadas, como uma história em apenas quatro quadrinhos onde em três deles um homem convulsiona numa calçada lotada de pessoas, que o ignoram. No último ele aparece já morto, e centro das atenções. Esse é o espírito da invisibilidade, que em outros grandes momentos desta edição surge como fábula ( em O Edifício e seus fantasmas que correm em socorro de uma garotinha em perigo), ou metáfora, na história de Pincus Pleatnik, uma das quatro que compõem “Pessoas Invisíveis”. Lá Pleatniki tanto evita o contato com outras pessoa que, quando é erroneamente dado como morto por um jornal local, ninguém sente sua falta e ele não consegue sequer provar que está vivo. Através do melodrama propositalmente exagerado, Eisner traduz a máxima psicanalítica que diz que só se existe em função do “Outro”, que nos serve de referência e afirma nossa existência. “Nova York a grande cidade” é poesia pura e,por contraditório que pareça, quase “neo realista”. Eisner observa a cidade e as pessoas se emitir julgamento e nos mostra crianças brincando com um hidrante aberto até serem interrompidas por um policial ou as várias reações possíveis de diferentes pessoas em frente a uma caixa de correios.
Nem tudo é perfeito em Will Eisner mas seus grande momentos são superlativos. E este “Nova York- A vida na Grande Cidade” é precioso porque permite ao leitor tomar contato com as várias faces da sua arte, seja o melodrama, a fábula ou a crônica. E, mesmo quando escorregava, ele o fazia com uma grandeza incomum.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

REALITY (CONT.)


Falei de realidade, falei de imagem e não mencionei os reality shows. Talvez tenha falado lá atrás, nas postagens anterior, mas não me lembro. Enfim, aquilo é ralidade, tem câmeras o tempo todo, mas e a imagem? Ela "não mente" ? E a edição (que há no jornalismo também), a riulha sonora e todo o que envolve aquilo? Um exemplo perfeito é o "Girls of the Playboy Mansion" exibido pelo canal AXN e que mostra a vida de três coelhinhas, namoradas de Hugh Hefner, e que moram em sua mansão. Acho que acabou por que agora existe um outro, Kendra, que mostra a vida da mais bonita, gostosa e engraçada das três, mas também a de comportamento mais artificial. Não por acaso Kendra ganhou seu próprio reality onde ela acorda sempre linda e maquiada.
Go, Kendra !

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

FUTEBOL / ARTE

Foi dica do grande amigo e leitor assíduo(um dos quatro ou cinco que este blog tem) o site :
http://www.mundogump.com.br/pinturas-incriveis/ que traz pinturas hiper-realistas de artistas que eu desconheço.
Pausa.
Esta semana, durante o programa Jogo Aberto apresentado pela encantadora Renata Fan na Rede Bandeirantes, o comentarista e ex-jogador Neto disse, a propósito de um lance polêmico :"quem briga com a imagem é porque não tem inteligência". A patada foi dirigida o jornalista Ulisses Costa, que se recusava a reconhecer uma falta ou um impedimento(não me lembro bem) que Neto julgava estar evidente no videotape.
Bom, a esta hora os quatro ou cinco leitores devem estar pensando o que é que o ponto inal do reto tem a ver com as calças.
Explico.
No blog indicado pelo Daniel, o autor tece vários comentários que podem ser resumidos num só "parece fotografia" o que, para ele, é um elogio. Parecer uma fotografia de fato deixou de ser um elogio à arte desde,pelo menos, Cèzanne (ou até mesmo em Goya, dependendo do ponto de vista). Há uma série de questões aí, que envolvem o valor da "representação" nas artes visuais e que eu não vou expôr sob pena de tornar este blog ainda mais chato do que já é. Mas o que dá para dizer é que a questão de modo algum é essa, de se parecer fotografia, ou parecer real. Ou melhor, parecer real é só um meio de se chegar ao ponto que é este mesmo tocado pelo Neto;"quem briga com a imagem é porque não tem inteligência". Muito pelo contrário, nos dizem estes artistas (mas o blogueiro lá não entendeu isto), essa imagem perfeita não é real. Não faz sentido ter um arte meramente imitativa num mundo que já tem a manipulação das imagens ao alcance de qualquer um com um photoshop em casa. Mesmo antes disso a ambiguidade da imagem já era a questão do cinema desde pelo menos os anos 50. A imagem induz sim ao erro, ela é, afinal, só uma casca. Um signo (ou ícone pra ser mais preciso) de algo que existiu ou aconteceu. Essa relação da semelhança e orrespondência entre a imagem e o real , entre o íone e o referente(ou a impossibilidade de se estabelecer tal correlação) também já ferveu uma ciência como a semiótica. Quem assistiu Vertigo-Um corpo que caiu, de Alfred Hitchcock vai ver como o mestre inglês já trabalhava esta questão.
Já falei um bom tanto aqui do hiper-realismo. Mas não custa frisar o quanto a imagem é portadora de dúvida. Não fosse isso, eles não passariam duas horas por dia discutindo se foi pênalti ou não, se tinha impedimento ou não.
E isso quem me ensinou não oi nenhum boleiro, mas um crítico de cinema, o Inácio Araújo. Golaço.
!!!
Não oi uma crítica ao ótimo comentarista que é o Neto. Mas ainda é uma crença bastante arraigada de que a imagem é portadora da verdade e é disso que vive o jornalismo. Um foto ou filmagem é o que "prova" que algo teria acontecido. Todo mundo sabe o quanto de erro isso já provocou.
As imagens via internet então nem se fala. Nunca se sabe se são reais ou não. Sobre isso, quem talvez melhor tratou a questão foi George Romero e seu Diário do Mortos, de 2008, onde as notícias sobre mortos vivos se espalham pela internet e pela Tv mas por vários motivos(principalmente credibilidade), todas são alvo de descrença.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009


Terra Vermelha , filme de Marcos Bechis que está nas locadoras, foi de certa forma “injustiçado”. Por tratar do mesmo tema ( a questão indígena) e ter sido lançado mais ou menos no mesmo período em que Serras da Desordem, de Andrea Tonacci ele acabou um pouco ofuscado pela genialidade e a trangressão deste que foi sem sombra de dúvida o melhor filme brasileiro de 2008 - num ano que teve ainda peixes grandes como Falsa Loura, de Carlos Reichenbach, Encarnação do Demônio, do Mojica e Celópatra, de Julio Bressane. Também, como aliás quase todo filme nacional que não leve o logotipo da GloboFilmes,teve circuito exibidor restrito à região da Avenida Paulista e arredores, e só agora ganha uma preciosa segunda chance de travar contato com o público.
Há muita coisa nesta fita de Marcos Bechis, muitas perguntas não respondidas; a convivência entre índios e brancos, o desmatamento, a presença estrangeira, o confinamento dos indígenas em reservas minúsculas e degradadas, a bebida que vicia, os suicídios, a proximidade com a cidade grande e os shoppings , a pistolagem e a violência como única forma de mediar conflitos num local onde o Estado basicamente não existe. Tudo isso amarrado pela história de um jovem índio que começa a seguir os primeiros passos como xamã ao mesmo tempo em que se envolve com a filha do dono de um hotel, que aliás também é o latifundiário dono das terras que sua tribo invade numa atitude que lembra muito as cenas que vemos por pouco mais de um minutos nos noticiários televisivos. Essa situação violenta, que de certa forma começa quando o governo militar, por volta dos anos 1970 concede terras e instaura a grilagem, segue até hoje e vitimou de Chico Mendes a Dorothy Stang. Não é de se espantar que tenha tão poucos destaque nos telejornais, afinal não é tão fácil apontar culpados nem simplifiar a situação e palpitar soluções imediatistas.Requer tempo e reflexão, algo que este belo filme nos oferece.
Aceite de bom grado.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O BEIJOQUEIRO, O ESTUPRADOR E O BOXEADOR

Mero complemento à postagem anterior, mas vale lembrar do caso do e ex- campeão dos pesos leves Arturo Gatti que estava morando num hotel no Ceará. O boxeador foi encontrado morto em seu quarto pela esposa brasileira, que comunicou o fato a polícia. Apesar de Gatti ter morrido enforcado, o delegado levantou a hipótese da franzina esposa ser a assassina, com base numa marca de pancada na cabeça do ex-lutador. Os jornalistas compraram a idéia absurda (ela o teria golpeado na cabeça e o sufocado com a corda) mesmo sem testemunhas que contassem ter ouvido barulho de luta vindo do quarto do casal. Logo a moça era filmada e os repórteres e aresentadores gritalhões insinuavam uma culpa que rapidamente se provou inexistente. A marca na cabeça do ex-vampeão veio de uma briga na rua, acontecida pouco antes dele se enforcar no quarto.
A queda da versão do delegado- e dos jornalistas- no entanto, não ocupou nem metade do esaço dado à falsa acusação.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

O BEIJOQUEIRO E O ESTUPRADOR

Semana passada ganhou certo destaque no noticiário a prisão de um italiano por beijar na boca sua filha de 8 anos num praia cearense. O turista, cuja identidade permanece preservada, fora denunciado aos policiais por duas pessoas (de 70 e 75 anos) que se sentiram incomodadas com a cena e (provavelmente) acreditaram se tratar de um caso de pedofilia. A mãe da criança, que é brasileira, alegou que esta é uma prática comum entre os italianos. Pois bem, ao noticiário então. Para Sandra Annenberg, no Jornal Hoje de quinta feira(3), ele havia sido preso por dar uma “beijoca” na boca da criança. Para o portal G1l ”italiano é preso por beijar a filha na boca em barraca de praia no CE”. Para o Jornal da Band era “ato libidinoso”. Já Carla Vilhena disse na sexta-feira(4) no SPTV 1ª Edição que ele havia dado um “beijo, um selinho,uma bitoca” o que é “abuso sexual e pela nova lei é enquadrado como estupro”.
Tanto zelo com as palavras chega a impressionar, principalmente quando comparado com outro caso onde a acusação recaía sobre o mesmo artigo do código penal, estupro. Quando o médico Roger Abdelmassih foi preso o trato da imprensa foi bem diferente. “Médico é preso acusado de 56 estupros”. Está correto. Pela nova lei que trata dos “Crimes contra a Dignidade Sexual” ,sancionada em 07 de agosto deste ano, todas acusações dirigidas a Abdelmassih são classificadas como estupro, tanto quanto a “bitoca” do alemão (estupro a vulnerável) - que aos olhos das testemunhas não parecia assim tão inocente. Mas não foi lembrado que, das 56 acusações feitas a Abdelmassih - houve mulheres que fizeram mais de uma acusação,daí o número ser maior que o de acusadoras,36 ou 39 dependendo de quem dá a notícia - “apenas” (aspas enormes aqui) duas se enquadrariam no que a lei anterior classificava como estupro, ou seja, a tal “conjunção carnal”.
Num caso, o do médico, os acusadores foram dignos da confiança absoluta dos jornalistas enquanto no outro, mereceram a mais completo descrédito. Se a Lei é a mesma para todos porque cabe aos jornalistas decidirem por um ou outro lado? Por que num caso é bitoca, ato libidinoso(que nem existe mais) e abuso sexual e noutro é estupro?
É até desnecessário frisar a diferença entre os casos e até bom que não se noticie “italiano preso por estuprar filha de 8 anos ”. É,aliás, função do jornalista esclarecer os fatos, mas isso não foi feito nem em um caso nem em outro. Mas no caso do médico, os jornalistas, certos da culpa, tomaram parte na condenação e não muniram o leitor/espectador de conhecimento suficiente para entender a lei e o processo. Já com o turista, inocentaram-no com veemência (chega a parecer que Carla Vilhena estava presente na hora da bitoca).
É certo que parece mesmo que Roger Abdelmassih é culpado e o italiano, inocente. Mas é sempre bom lembrar que entre o “parece” e o fato existe muitas vezes um abismo pra onde foram atirados muitos inocentes e de onde escaparam ilesos muitos culpados. E no fim, entre culpa e inocência cabe ao juiz decidir, não a nenhum jornalista.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

NAÇÃO DOS ZUMBIS



Foi com pouco dinheiro, uma câmera digital e uma boa dose de criatividade que Rodrigo Aragão fez seu “Mangue Negro”, originalíssimo filme de zumbis de que circulou o país em diversos festivais e agora aporta direto nas locadoras, sem ter estreado em circuito comercial. O longa metragem consegue ser original num subgênero do terror que ,salvo raras exceções, tem tendência a se repetir; mais do que mortos vivos de andar trôpego, vemos ostras monstruosas (!) , defuntos surgindo da água escura do mangue e feitiçaria cabocla, tudo mostrado com ajuda de muita maquiagem, animação em stop motion e até computação gráfica. Já a história é uma fábula, quase um “João e Maria” ultraviolento, contando tentativa de um casal de fugir do mangue e chegar ao topo de uma montanha, onde estariam livres da epidemia de mortos-vivos.
Em meio a tantas idéias, umas funcionam, outras não. Talvez o maior problema esteja nos diálogos muito formais, de português corretíssimo, que tiram algo do impacto brutal do manguezal, e dos rostos tão diferentes do que estamos habituados a ver na TV. Nisso ele só teria a lucrar soasse como O Céu de Suely (de Karin Aïnouz), Cinema Aspirinas e Urubus (de Marcelo Gomes) ou Baixio das Bestas( de Cláudio Assis) . O cinema do nordeste tem se mostrado dono de uma identidade fortíssima e sem medo do acento regional. Também o uso da maquiagem para envelhecer rostos parece despropositado, deixa os atores com cara de boneco de cera ou de quem sofreu queimaduras graves.
Mais até do que a originalidade, salta aos olhos o laboratório de influências que é este filme. Tem algo do Zombie, de Lucio Fulci , por causa das cenas ensolaradas, dos mortos putrefatos. As vezes o herói parece descaradamente com o Ash, da série Evil Dead- A Morte do Demônio, de Sam Raimi, de onde Aragão também parece ter tirado o gosto pelo humor. Já a sangueira é típica de HQ , assim como o visual de alguns cadáveres . E é num instante que surge um cenário tratado digitalmente e uma câmera em primeira pessoa que faz parecer que estamos diante de um game estilo “Doom”. Há também cenas que foram tiradas da prateleira dos clichês do filme de terror (a mocinha encosta num parede de madeira, de onde surge a mão do monstro que lhe agarra o cabelo). Tudo ali parece uma colagem com vista a se chegar a um produto novo, com identidade própria.Está errado? Não mesmo. É dessa mistureba que vive o cinema de Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, por exemplo.
Ninguém é obrigado a gostar do resultado, mas todo mundo deveria dar uma chance aos zumbis “mangue beat” de Rodrigo Aragão. Chance que as salas de cinema não lhe deram.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

MAIS TWITTER, MAIS XUXA ! SASHA PACIÊNCIA!




Essa tira (clique para ampliar) veio do excelente site Quadrinhos Gonzo http://quadrinhosgonzo.wordpress.com/ , da jornalista e quadrinhista Jussara Nunes e satiriza a saia justa de uma assessora de imprensa explicando o caso do twitter da Rainha dos Baixinhos a um repórter. Volto em breve a falar deste site. Mas o caso teve desdobramentos. Na última terça-feira (dia 1º) Xuxa foi fotografada pela Revista Quem passeando com um cãozinho num shopping center de luxo do Rio de Janeiro. Solícita, aceitou até posar para foto ao lado de um fã. Trabalho de bombeiro da assessoria de imprensa, que deve ter passado por apuros semelhantes aos satirizados nessa tirinha para livrar a apresentadora da imagem de burra e antipática que lhe ficou colada.






O caderno Folha Informática de ontem apresentou uma tendência representada por sites como o Tweetfeel http://www.tweetfeel.com/ que filtram as opiniões emitidas no Twitter e as classificam como positivas ou negativas. É um passo largo rumo à identificação de emoções dos usuários. O que se faz com isso? Basicamente o que fez a assessoria de Xuxa, que é possibilitar seu cliente a dar a volta por cima de uma situação adversa. Ou focar-se mais naquilo que é elogiado. Será uma festa para os marketeiros de políticos., por exemplo. No cinema uma coisa será certa, com um conheimento infinitamente mais apurado do gosto das massas, os diretores terão cada vez menos liberdade. Quem financia uma obra de centenas de milhões de dólares nuna quis correr riscos e terá a seu serviço exatamente aquilo de que se agradam as grandes platéias. Pra que mudar, pra que arriscar ? Ou seja, veremos ainda mais filmes rendidos
às mesmas fórmulas prontas, feitas à medida para agradarem adolescentes. A opinião abobalhada do garoto de que eu falei na postagem anterior terá um peso muito maior na hora, por exemplo, de se financiar um filme de terror de Sam Raimi (hipoteticamente falando). Se você acha que é infernal entrar num Cinemark hoje é porque não sabe o que te espera amanhã. Transformers vai ser fichinha...






Pois é, os blogs, os sites de relacionamento e o Twitter permitiram que muita gente possa expressar sua opinião. Mas, no final, a coisa é como num tribunal: o que você disser poderá ser usado contra você.




Quem aguentar a Quem pode ir em http://revistaquem.globo.com/Revista/Quem/0,,EMI90998-9531,00-XUXA+PASSEIA+EM+SHOPPING+E+E+ASSEDIADA.html e curtir um ótimo exemplo de jornalismo a serviço de uma Assessoria de Imprensa. E dá-lhe elogios à Rainha...

terça-feira, 1 de setembro de 2009

É rabugice minha criar caso com os erros ortográficos? Acho que não, até porque eu mesmo erro, e de montão. Citei a Xuxa, cito agora um anônimo. Fui ler a resenha do filme "Arraste-me para o Inferno" que o ótimo crítico Sérgio Alpendre fez para o apenas razoável site Cineclick (disponível em:
http://cinema.cineclick.uol.com.br/criticas/ficha/filme/arrasta-me-para-o-inferno/id/2208 ) quando topei com o seguinte comentário(assim mesmo em caixa alta) :
MEU DEUS QUE FILME HORRIVEL PIOR FILME QUE EU VI NA MINHA VIDA NA MORAL GENTE ACONSELHO A NÃO VERPQ QUEM VIU PARECE QUE FOI PRO INFERNO MUITO RUINFINAL MEIO E FIM COMPLETAMENTE HORRIVELESSE SAM RAIMI NÃO SABE FASER FILME AINDA QUER BOTAR PARTES ENGRAÇADAS EM FILME DE TERROR EU RI MAIS DO QUE ME ASSUSTEI NA VERDADE NEM ME ASSUSTEI
Pode ter sido um garoto o autor do texto (o que justificaria certos erros), mas é interessante notar que ele se preocupou em não errar o nome do diretor. Ou seja, ele não deu a mínima importância à escrita, que parece mimetizar a exasperação com que ele falaria com algum colega (isso explica o uso da caixa alta). A internet desestimula o uso de pontuação e acentuação, isso a gente bem sabe.
Mas há algo mais aí, algo sério. Esse garoto ( quero crer que seja um garoto - e pela linguagem devo estar certo) é parte de um grupo enorme ,Xuxa e Sasha inclusas, que parece não ver utilidade na escrita. É de se pensar em quais fatores levam a isso . A alfabetização é cada vez mais precária; hoje mais pessoas são alfabetizadas, mas apenas nas planilhas do governo. Crianças chegam aos 8 ou 9 anos de idade sem sabererem escrever uma única palavra, tudo isso por entraves burocráticos e interesses diversos, que vão do impedimento da reprovação à ação de diretores que não querem índices ruins de alfabetização em suas escolas, e por isso dão como preparados alunos praticamente (ou completamente) analfabetos. Há também a diminuição persistente no hábito da leitura - o crescimento na venda de livros não quer dizer que mais pessoas estão lendo-nem diz quais livros são vendidos. E com certeza outras coisas que façam as pessoas crerem que escrever é algo quase desnecessário.
Mas quais ?
PS. A propósito, não acreditem no garoto, o filme é excelente.
PS2. O Cineclick é site que publicou o texto do crítico Celso Sabadin sobre o "xou" da Xuxa no Festival de Gramado de que o Daniel falou nos comentários:
PS3. Ainda Xuxa, ainda twitter . Um fã, revoltado com as críticas à sua musa e rainha, postou na internet um vídeo para defendê-la. Deu nisso aqui : http://pepsi.gizmodo.com.br/conteudo/mexeu-com-xuxa-mexeu-comigo