sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

IMPRENSA ALTERNATIVA EM REGISTRO DESCONTRAÍDO E DIVERTIDO


Imprensa alternativa no ABC – a história contada pelos independentes”, nome do livro da jornalista Olga Defavari pode sugerir uma obra sisuda, um pesado catálogo de publicações que só interessam a pesquisadores e jornalistas ou ainda um registro de alcance limitado e regional. Nada disso.
Qualquer um pode ler e se divertir (isso mesmo, divertir!) com as entrevistas, depoimentos e trechos das publicações colhidos em extenuante catalogação de praticamente todas as manifestações qualificadas como imprensa alternativa , ou seja ,revistas e jornais publicados de maneira amadora e/ou independente na região do Grande ABC . Ficam de fora do campo de estudo os jornais sindicais ou ligados a partidos políticos.
A autora propositalmente assume o menos possível a postura de pesquisadora e mais a de uma contadora de histórias. Se o recurso por um lado torna o livro carente de certa dose de densidade desejável num trabalho desse tipo (são apenas 10 páginas de embasamento teórico e duas de conclusão), por outro faz da leitura uma experiência extremamente agradável .
Há desde fanzines chatérrimos como o Yellow Peppers, típica publicação roqueira, ou seja, que acredita no rock como a mais maravilhosa criação humana, capaz de tocar corações e mentes, mudar o mundo e mais um bocado de coisas, mas que chama seus desafetos de “morféticos”(!!) , às publicações pretensiosas, como o feminista Mulher ABC, que em seu único número pagou o mico de entrevistar a cantora Ângela Maria e ouvi-la defender abertamente o machismo. Não faltam também esquisitices, como um fanzine ainda em atividade e que conta com absurdos 18 anos de existência, mas apenas 23 exemplares.
Mas a melhor história fica por conta do inacreditável A Tripa, “publicação” que é uma exceção a tudo no livro, desde a datação (é da década de 1950 e o período estudado começa nos 70) ao próprio conceito de imprensa, afinal nunca foi publicado, muito menos lido por ninguém, mesmo assim foi produzido artesanalmente (datilografado e colorido à mão) por incríveis oito anos. Tão estranho quanto é o fato de dois dos três editores citados simplesmente negarem ter participado da empreitada e , pior, jurarem jamais terem sequer posto os olhos em seus ‘textos” que eram provavelmente obra de um único sujeito, Alcindo Fanzolim, já morto.
Claro, não há só bizarrices, mas também publicações sérias em que atuaram vários talentos legítimos, como o cartunista Marcio Baraldi, o escritor Claudio Feldman e os poetas Zhô Bertholini e Dalila Teles Veras.
Ao final, a conclusão aponta para o iminente desaparecimento da imprensa alternativa e sua transmutação na forma dos blogs. E cá estamos nós.

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O livro de 144 páginas pode ser adquirido com a própria autora pelo valor de R$ 13,00 (já inclusa postagem) através do e-mail olgadefavari@yahoo.com.br ou nas seguintes lojas:
Livraria da USCS (São Caetano do Sul-ex-IMES)
Alpharrabio - R. Eduardo Monteiro,151 em Santo André
Metal CDs /Sebo Pacobello - R. Dona Elisa Flaquer, 184 - Centro
Sebo Poesia & Arte - R. Monte Casseros, 11 - Centro - Santo André

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Desde o momento em que fiz a "arte" da capa até quando recebi um exemplar com dedicatória, mantive inalterada minha intenção de não falar sobre o livro. Mas ao terminar de lê-lo achei que deveria fazer isso de uma maneira imparcial e diferente das várias resenhas já realizadas e que se limitaram a explicar o assunto e citar a origem do trabalho no núcleo de pesquisa Memórias do ABC, em que a autora trabalhou por dois anos.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

TEATRO- AVENIDA DROPSIE


Ninguém está preparado para o que irá ver quando as luzes do palco do teatro do SESI se acenderem e for revelada a cenografia de Daniela Thomas, com seu gigantesco edifício em cujas janelas e calçada se desenrolarão dramas urbanos tocantes, tristes, engraçados, melancólicos. Muito menos quando balões de pensamento aparecerem sobre os atores, exatamente como numa história em quadrinhos ou ainda quando um verdadeiro temporal tomar conta do palco.
Mas se tanta atenção é dispensada à chuva e ao edifício é por que há bons motivos para isso.
A chuva é o grande momento das histórias de Will Eisner. Diferente da banalidade corrente, em que um temporal é mostrado como uma espécie de “lágrimas do céu” fazendo coro à tristeza dos personagens, em Eisner o tratamento é bem outro; é poesia, e uma imagem poética não se traduz num único significado. Não é só um elemento libertador, nem triste, nem alegre. É tudo isso. Os personagens estão alheios à chuva ou porque pouco se importam com ela ou porque nada mais lhes importa na vida. É exatamente isso que vemos no palco, um desfile dos tipos de Eisner, uns sorrindo, outros chorando, uns comemorando, outros lamentando. Um só elemento, a chuva, na peça adquire todos os sentidos(até contraditórios ) ao mesmo tempo.
Já no edifício é que está o tema mais caro ao universo do quadrinista : a convivência humana, os conflitos da vida nas grandes cidades. Judeus praticantes vizinhos de negros e seu Hip Hop barulhento, homossexuais ,mulheres reprimidas, crimes passionais,solidão.
É esse microcosmo urbano que a Sutil Companhia de Teatro extrai das várias obras que compõem a fase madura de Will Eisner, uma das quais dá nome à peça e que dá vida pulsante à pirotecnia e ao cenário grandioso.
Afinal, como diz a Sra Rowena, personagem que está na graphic novel Avenida Dropsie, mas não na peça, “Prédios são apenas prédios. São as pessoas que fazem uma vizinhança”.

As próximas apresentações de Avenida Dropsie ocorrem nos dias 22, 25, 26 de fevereiro, 1, 11,15, 20 de março a 05 de abril, sempre às 20h. Às quartas-feiras, as sessões são gratuitas e nos demais dias os ingressos custam R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia). O Teatro Popular do SESI fica no prédio da Fiesp, na Avenida Paulista, 1313, próximo ao Metrô Trianon- Masp.
A peça não é recomendada para menores de 14 anos. Informações: tels. (11) 3146-7405 / 7406 ou pelo site www.sesisp.org.br

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A SOCIEDADE EM REDE


Para melhor estudarmos a sociedade globalizada (sobre a qual já discorri brevemente ao tratar da música e fotografia digital em janeiro deste ano), trago 3 filmes:Kairo, de Kiyoshi Kurosawa ( Sonata de Tóquio), terror de 2003 que permanece inédito no Brasil, mas que nos EUA é também conhecido como Pulse, mesmo nome da refilmagem ( essa sim saiu por aqui) que traz o selo “Wes Craven apresenta” e tem a gracinha Kristen Bell, das séries "Heroes" e "Verônica Mars". O outro é o suspense de 2007, Fim dos Tempos, de M.Night Shyamalan, diretor que conseguiu escapar do rótulo de criador de filmes com final surpresa e que fez aquele que é a maior crítica à política do medo e à obsessão pelo isolamento norte-americanas, A Vila.
Por fim a animação que está com as duas mãos mecânicas na estatueta da categoria no Oscar deste ano, Wall-E, de Andrew Stanton (do bacana Procurando Nemo).
Estes três filmes apresentam, cada um à sua maneira, uma visão crítica da sociedade ocidental contemporânea que ao mesmo tempo em que conecta virtualmente todos os indivíduos através da Rede, promove o isolamento destes mesmos indivíduos.


A SOCIEDADE DO ISOLAMENTO
Manuel Castells, em seu livro A Sociedade em Rede assinala que o início desta sociedade está nos anos 1980 – é o início da sociedade globalizada, quando o maior bem não é mais o dinheiro, como fora no séc XX ou o produto, como até então- e cita um relatório elaborado pela Fundação Européia para a Melhoria de Vida e Ambiente do Trabalho, em que se destaca uma tendência crescente rumo a um individualismo cada vez mais acentuado. Há uma nova (naquele momento) tendência, que é a diminuição dos núcleos familiares, que contam com cada vez menos indivíduos, em virtude da alta no custo de vida e que passam a residir na chamada “casa eletrônica”, caracterizada pelo grande número de aparelho eletrônicos e também pelo maior espaço disponível por pessoa. Os aparelhos eletrônicos são portáteis (e parece bobagem explicar isso hoje!) e possibilitam que cada indivíduo organize seu tempo e espaço como melhor lhe convier o que acarreta num enfraquecimento de laços sociais. Exemplificando: comidas congeladas e forno de microondas permitem que que cada um faça as refeições no momento que lhe for mais conveniente assim como o barateamento dos aparelho de TV permitem que cada membro da família assista a seu programa preferido em um cômodo diferente da casa. O MP3 player (que não é senão outra versão do walkman dos anos 1980) faz da experiência de se ouvir música algo tão individual quanto os jogos eletrônicos, que num primeiro momento com o videogame e depois com os jogos em rede, fazem com que a experiência de se disputar uma partida seja partilhada por, no máximo mais uma pessoa. Os laços familiares tendem a ser mais rarefeitos do que aqueles nas casas em que ainda existe o ritual de se almoçar e jantar todos juntos, de assistir ao mesmo programa de tv ou disputar partidas de jogos de tabuleiro.
Um passatempo tradicionalmente coletivo, o Karaokê (que em 1991 estava presente em 100 % dos hotéis japoneses), deixa de ser o compartilhamento do canto desengonçado de uma pessoa , com participação de um coro igualmente sem talento (e provavelmente alcoolizado), para uma diversão individual cujo objetivo é seguir certos padrões cujos pontos “avaliam’o nível de talento do cantor amador.
Também nos 1980 o videocassete, que permitia pela primeira vez com que as pessoas gravassem os programas e os vissem no momento apropriado foi o primeiro golpe no horário nobre das tvs e um antecessor do fenômeno de se baixar séries televisivas potencializa a experiência de se ver tv (hoje na tela de um computador pessoal) numa experiência individual compartilhada apenas virtualmente com outras pessoas através de fóruns de discussão pela internet.
A sociedade da comunicação, ironicamente, isolou seus indivíduos e é a partir deste ponto de vista que analisaremos os filmes.

PULSE
Kiyoshi Kurosawa (nenhum parentesco com Akira Kurosawa, de "Os Sete Samurais") nos traz a história de pessoas mortas que começam a se comunicar com os vivos através de computadores conectados à internet. As pessoas que estabelecem contato com esses fantasmas morrem, desaparecem ou apenas desmancham-se como poeira até que o mundo começa a ficar completamente desabitado.
Kurosawa vê com maus olhos o mundo contemporâneo em que cada vez mais pessoas se tornam seres imateriais, cuja existência só se dá em rede, através da internet.

WALL-E
“Relacionamento? O último encontro holográfico que tive foi um desastre virtual !
Esta é a frase dita por uma mulher enorme, tão gorda quanto todos os humanos que habitam a nave espacial onde o robozinho Wall-E vai parar em busca de sua amada, a também robótica EVA. Além de uma violenta crítica do consumismo, aspecto que mais chamou atenção da crítica, Wall-E toca fundo na questão do isolamento humano. Todos, ainda que sentados lado-a-lado em suas poltronas flutuantes, se comunicam através de sites de relacionamento. As conversas e amizades são mediadas pelo computador. Só num momento crítico, quando o vilão, espécie de Hall-9000(o computador de 2001-Uma odisséia no Espaço) cria uma turbulência na nave e as poltronas tombam é que as pessoas passam a enxergar umas às outras (e não mais suas fotos na internet) e, num gesto significativo, dão as mãos débeis uns aos outros, o que lhes resgata a humanidade que estava deformada e salva-lhes as vidas.

FIM DOS TEMPOS

Suicídios em massa misteriosamente se propagam como uma epidemia pelos EUA. Entre o pânico generalizado, algumas percebem que o causador de tudo isso é a própria natureza, que através das plantas libera toxinas que induzem as pessoas a tirarem suas próprias vidas. A ameaça leva as pessoas a se reunirem em grupos cada vez menores (fica provado que grupos grandes são atacados primeiro). Se o ataque é uma retaliação da natureza pelas agressões sofridas (isso propositalmente não será explicado) ele o faz destruindo o que de mais forte há entre os homens, seus laços sociais -e fica claro que uma sociedade que mina estes laços é uma sociedade que se destrói- até que só restem (no perímetro do ataque) duas pessoas isoladas uma da outra, significativamente um casal que estava à beira do divórcio. Numa construção antiga, cuja curiosa acústica permite a propagação do som (e a comunicação) entre casa principal e uma menor, bem próxima, o casal se põe a conversar amigavelmente, acreditando ser aquele seu último dia de vida. A comunicação à distância, mediada por um mecanismo difusor de som (no caso de WALL-E são os computadores) lhes parece patética e é então que decidem desafiar a morte e sair a campo aberto e se encontrarem pela última vez. Um gesto idêntico ao de WALL-E, o de dar as mãos vem apenas no momento mais crítico, quando tudo que importa é afirmar a humanidade, tão debilitada pelo isolamento.
Mal decorrente da globalização, o isolamento, tal qual a praga verde se propaga então, do centro econômico do mundo (Central Park) para outras fronteiras.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

TEATRO


Duas dicas rápidas de teatro : O Quarto e Não Sobre o Amor. Ambas as peças flertam inteligentemente com outras artes; poesia, artes plásticas e videoarte, no caso de O Quarto, cinema e literatura em Não Sobre o Amor.

O QUARTO

O Quarto, do dramaturgo inglês e Nobel de Literatura Harold Pinter foi a obra escolhida pelo diretor Roberto Alvin para estrear em novembro do ano passado na sede de sua companhia de teatro, a Club Noir.
O texto de Pinter conta a história de Rose, uma mulher que vive trancada com seu marido em um quarto úmido e escuro, defendendo-se do mundo da única maneira que sabe: escondendo-se.
É de não-existência, portanto que trata a peça (mais do que a história de uma pessoa em particular) e nada mais adequado que tudo lá seja bicromático, do cenário de paredes brancas e portas negras aos atores, vestidos totalmente de preto e cujos rostos mal podem ser vistos, salvo em momentos poderosos como um em que Rose grita em agonia com uma luz que ilumina unicamente seu rosto, criando uma distorção “expressionista”que lembra em muito o Fausto (1926), filme de F.W.Murnau, onde as trevas absorvem tudo que não sejam as faces dos atores. Aliás, o posicionamento destes no cenário, com o uso do contra-luz, faz com que eles pareçam mais elementos decorativos do que outra coisa, peças negras num cenário branco, criando no público uma impressão de se estar diante de uma enorme obra de arte , o que desloca toda a atenção para o texto denso, literário, cheio de ‘disse ele’e ‘disse eu”.
Chegará o momento em que pessoas visitarão Rose e que um homem cego a conclamará a voltar para seu antigo lar, ou seja, a vencer o isolamento.Veremos então uma carta em forma de poema projetada freneticamente no palco, acompanhada do som estridente de uma máquina de escrever.
O som e a fúria da vida desafia Rose. E também a todos nós.

O teatro Club Noir, que fica na rua augusta n 331, possui apenas 50 lugares e por isso é recomendável reservar lugar por telefone e chegar meia hora antes. O espaço dispõe também de café e livraria.
A peça tem duração de 60 min e fica em cartaz até 29/03 às sextas e sábados às 21h. e aos domingos às 20h.
Informações pelo telefone 3257-8129


NÃO SOBRE O AMOR

Não Sobre o Amor , prêmio Bravo! de melhor espetáculo em 2008, é uma das três peças dos curitibanos da Sutil Companhia que voltam a São Paulo na Mostra Sutil 15 anos . As outras duas são “Tom Pain/ Lady Grey” e “Avenida Dropsie”.
Dirigida por Felipe Hirsch e Murilo Hauser a peça é a encenação das cartas trocadas entre o formalista russo Victor Shklovski (interpretado por Leonardo Medeiros) e Elsa Triolet (Simone Spoladore), por quem é apaixonado e a quem chama de Alya.
Não sobre o Amor tem um elemento poderoso; a cenografia, que possibilita um inusitado flerte com o cinema. Quando Medeiros se deita por sobre a cama que está fixada na parede, temos um efeito equivalente ao de uma câmera posicionada no alto, filmando de cima para baixo, recurso comum no cinema, mas de execução complicada no teatro. A estratégia permite que outras ações (sejam na forma de um filme projetado ou do som da voz de Elsa ou ainda da presença de Spoladore) tomem lugar e assim experimentamos de uma só vez a solidão e melancolia de Shklovski e a determinação frívola de Elsa, que pede seguidas vezes para que ele não lhe escreva sobre o amor. À proximidade dos dois no palco opõem-se a uma distância intransponível entre o amor do escritor e a indiferença de Alya, entre a saudade da Rússia para a qual não pode voltar e a Alemanha, entre os sonhos e a realidade.
Outro recurso interessante é a projeção em forma de texto das observações do ator às cartas dele e de Elsa.
O único inconveniente é que, em virtude da construção do cenário não ocupar toda a extensão do palco do Teatro Sesi-Paulista, quem sentar nos setores laterais terá sua visão bastante prejudicada e não só não verá o que acontece nas laterais do palco como também não conseguirá ler o início ou final dos textos projetados.

O teatro SESI fica na Av Paulista 1313, no prédio do centro Cultural FIESP e possui 453 lugares. A peça está em cartaz de 06/02 a 28/02 ( às sex e sáb.); 18 e 19/03. O ingresso custa 10 reais. Mais informações pelo telefone: 3146-7405


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Recado para os leitores do blog Balaio Baio e deste Bar: semana que vem texto sobre a peça Avenida Dropsie e a obra de Will Eisner.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

POP10 !

No último dos Pop10, o leitor Daniel Luppi lista dez músicas que para ele melhor representam a cidade de São Paulo. Claro que a lista foi pensada uma semana atrás, mas a atualização extremamente atabalhoada deste blog bagunçou as coisas. Vale ressaltar que esta é uma versão enxugada da original, que vocês podem conferir no blog dele http://www.balaiobaio.blogspot.com/ e conferir também clipes de algumas das músias listadas.


1. “SÃO SÃO PAULO, MEU AMOR”, de Tom Zé (1968). Começando com polêmica. Sendo uma lista pessoal, reservo-me o direito de colocar esta música, vencedora do Festival da Record de 1968 na cabeça da lista, até para fugir um pouco das obviedades (que virão a seguir). Tom Zé é genial, gostos a parte e é inegável o quanto a letra de “São São Paulo” é representativa dessa metrópole: “São oito milhões de habitantes [em 68]/ Aglomerada solidão/ Por mil chaminés e carros/ Caseados à prestação /Porém com todo defeito/ Te carrego no meu peito /São, São Paulo/ Meu amor.”

2. “SAMPA”, de Caetano Veloso (1978). Dispensa maiores comentários. Óbvia, mas imprescindível em qualquer lista do gênero. Ok, é mais representativa que a de Tom Zé. E também mais bela, mas lá eu apenas quis fugir das obviedades.

3. “TREM DAS ONZE”, de Adoniran Barbosa (1965). Outra escolha evidente. Adoniran e Demônios da Garoa. Uma das mais bem sucedidas parcerias na música brasileira, tornou conhecidos por todo o país o bairros Bixiga. Se não me engano, essa música até já ganhou um “concurso”, patrocinado por uma rede de televisão, como sendo a “cara de São Paulo”. Nesse sentido, acho que “Sampa”, é mais completa. Mas nem por isso dá para ignorar a força que tem “Trem das Onze”.

4. “SÃO PAULO, SÃO PAULO”, de Oswaldo, Biafra, Claus, Marcelo e Wandy Doratiotto (Premeditanto o Breque) (1984). Grande Premê!! Grande Vanguarda Paulistana!!!! A divertida música, em alusão a “New York, New York”, retrata muito bem a maior cidade da América do Sul, terra de “japonesas louras”, de “nordestinas mouras”, de “gatinhas punks” e do “jeito yankee”. Cidade onde o “clima engana” e a “vida é grana”, mas sem esquecer que, “na periferia, a fábrica escurece o dia”. Por fim, em ritmo de CPTM, uma pequena listagem de bairros paulistanos. Uma feliz composição do Premê, sem dúvida.

5. “RONDA”, de Paulo Vanzolini (1945). O samba-canção, verdadeiro canto de amor homicida que retrata a mulher em busca de seu amante, de bar em bar, provavelmente é a canção mais conhecida (e cantada) entre os boêmios paulistanos das décadas passadas. A data citada é a da criação pelo zoólogo compositor. Gravação mesmo só pintou em 1953, meio que por acaso, quando Inezita Barroso gravou seu primeiro disco e precisava de outra canção pra compor o lado B do compacto. Vanzolini estava acompanhando Inezita ao estúdio e, somente por isso, “Ronda” constou do mesmo disco em que a rainha caipira despontou com “Moda da Pinga”. Mas sucesso mesmo só apareceu em 1967, quando interpretada pela cantora Cláudia Morena e, em 1977, o estouro na voz de Márcia. Bethânia a regravou no ano seguinte, mesmo ano em que seu irmão Caetano se utilizava da melodia final de Vanzolini para arrematar “Sampa”. (bibliografia: “A Canção no Tempo, Vol. 2”, de Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, Ed. 34, 5ª Ed., 2006, pp. 115/116)

6. “ESBOÇO”, de Luiz Tatit (2000), e a Vanguarda Paulistana. Aqui farei menção não a uma única música, mas a todo um movimento. Luiz Tatit é compositor egresso do movimento da Vanguarda Paulistana, cabeça do Grupo Rumo e um dos principais nomes do movimento, que incluiu também o já citado Premê. Além de tipicamente paulistano, Luiz Tatit nos brinda nessa deliciosa canção com uma colagem de bairros e algumas de suas características, de forma sucinta: “E ele passeia, passeia/Passeia como se fosse um turista/E cumprimenta todo mundo/Que freqüenta a Bela Vista/E mesmo que ele esteja sem dinheiro/Dá uma passadinha nos botecos de Pinheiros/Chega com uma cara que dá pena/Mas é gente muito boa/Lá da Vila Madalena/Sempre sobra um copo de cerveja/Fica tão contente/Mas não quer que ninguém veja/Então procura o centro da cidade/Na Liberdade/Lá ele aparece algumas vezes/Lá os seus amigos são chineses/Canta umas canções em pot-pourri/E o pessoal morre de rir"

7. “UM LUGAR DO CARALHO”, de Júpiter Maçã (1997). Outro forasteiro da lista. E provavelmente outro ponto de discórdia entre os eventuais leitores dessa lista. Mas em minha humilde opinião, a música é perfeita para se ouvir em alto e bom som no carro, a caminho das baladas de sampa. Rock gaúcho do bom, com letra no mínimo interessante: Sozinho pelas ruas de São Paulo/ eu quero achar alguém pra mim/ um alguém tipo assim:/ Que goste de beber e falar/Lsd queira tomar e curta/Syd Barrett e os Beatles/Um lugar e um alguém/Que tornarão-me mais feliz/Um lugar onde as pessoas/Sejam loucas/E super chapadas/Um Lugar do Caralho!/Um Lugar do Caralho!”
Esta cidade acolhedora tem vários lugares que fazem jus ao título, ainda que com outras descrições e outras tribos, principalmente os lugares ainda não descobertos pelos modismos.

8. “EH! SÃO PAULO”, de Murilo Alvarenga (1934). Mais um compositor de outro Estado fazendo sua homenagem a Sampa. Aqui, Alvarenga, da dupla caipira-mineira Alvarenga e Ranchinho, que eternizou a cidade da garoa: “Eh! São Paulo/ Eh São Paulo/ São Paulo da garoa, / São Paulo que terra boa!/São Paulo da noite fria/Ao cair da madrugada/Das campinas verdejantes/cobertas pela geada/São Paulo do céu anil/Da noite enluarada/Da linda manhã de Sol/No raiar da madrugada”. Como se vê, muita coisa mudou da década de trinta pra cá. Campinas verdejantes, hoje, apenas no interior. Céu anil?!?!? Nem digo nada! Mas vale o registro de que há muito tempo essa cidade é amada e cantada.

9. MUTANTES. Qualquer uma dos Mutantes. É Rock Zona Oeste, Bicho!!! É Pompéia, meu!!! Pelo menos até onde sei, foi desse bairro que saíram os irmãos Sérgio Dias e Arnaldo Batista. Queria inserir o grupo aqui, mas não pensei em uma música específica. Talvez porque o som transcenda as fronteiras da cidade. Não é apenas de São Paulo, com certeza.

10. KARNAK. Qualquer uma do Karnak. Acho que eu jamais teria conhecido essa banda de loucos, excelentes músicos capitaneados pelo genial André Abujamra, se eu não tivesse vindo pra cá no já longínquo ano de 1997 (como também não teria conhecido Funk Como Le Gusta e a ótima cena musical de São Paulo). Banda com som tipicamente paulistano, mistura de sons e sotaques! E “Juvenar”, de André Abujamra e Carneiro Sândalo, é um bom retrato do stress que vez ou outra aflora nos paulistanos, presos no trânsito ou respirando o ar poluído da cidade, que não demoram pra praguejar e desejar fugir pro campo: “Tá frio aqui/Tá muito poluído/Eu tô triste eu tô aborrecido/Ta feio aqui/Ta muita poluição/Tá fedido/ Fumaça de Caminhão"
É. Nem tudo são flores mesmo. Mas aqui volto à primeira música da lista: “Porém com tanto defeito, te carrego no meu peito, São São Paulo, meu amor!”.




"pseudo-crítico, leitor do Bar1211!, ex-aluno do curso de 'historia e linguagem do cinema' ministrado pelo crítico Inácio Araújo, cinéfilo, amante de todos os sons, Daniel Luppi é graduado em Direito, ganha a vida como Assistente Jurídico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e escreve cada vez menos no blog 'Balaio Baio' ".

PAPO DE BALCÃO !

* É com muita honra que este blog registra a visita(com direito a comentário !) do demolidor "rockartunista" Marcio Baraldi (por obra e graça da onipresente Olga Defavari). E um enorme "obrigado" pelo elogio.
*Devido ao meu comparecimento assíduo à mostra Retrospectiva do Cinema Paulista (que vai até domingo), alguns textos sofrerão atraso na postagem. Ficam para a próxima semana os estudos dos filmes Wall-E e Fim dos Tempos, bem como a análise do "super heroísmo" na Era Bush.
*Em debate realizado ontem no CCBB (por ocasião da mesma mostra) com presença dos críticos Inácio Araújo e Francis Vogner dos Reis e do cineasta Andrea Tonacci foi lembrada a morte "do ritual" de se ir ao cinema (o apagar das luzes, o riso coletivoo sonho de olhos abertos), que cada vez mais cede espaço ao DVD em virtude do alto preço dos ingressos, da presença de salas de cinema somente em shoppings e também daquela praticidade que nos fez prefereir optar pela fotografia e a música digital, como já foi discutido aqui.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009


O álbum Vale-Tudo (Opera Graphica) de Marcio Baraldi dispara para todos os lados: são ridicularizados os serviços de telemarketing, as reuniões familiares e até o culto à maconha. Os melhores momentos, no entanto, ficam por conta de histórias de inversão de papéis. Em Vingança Total contra a Humanidade, uma espécie de versão pirada de O Planeta dos Macacos, os animais tomam conta do mundo, deixando aos humanos o papel ou de alimento ou de atração de zoológico. É engraçado e horroroso (por que nos faz pensar) ver uma galinha despreocupada dirigindo um caminhão com gaiolas lotadas de pessoas, que serão levadas ao matadouro ou um homem pendurado num açougue, sendo fatiado por um boi. Já em O dia em que as mulheres dominaram o mundo, Baraldi esculhamba com certos estereótipos de masculinidade, como a cantada sem-noção, o assédio sexual e os crimes passionais.
É interessante comparar esta história com o anúncio da cerveja Kaiser vinculado atualmente na TV. Lá há também a inversão de papéis entre homens e mulheres, no entanto tudo caminha para um mundo de sonhos do machismo. Tamanho é o ridículo que o anúncio acaba por evidenciar o delírio absurdo dos comerciais de cerveja, onde tudo está sempre invertido. Ou quem bebe todo dia por acaso consegue se manter atlético e saudável ?