terça-feira, 26 de outubro de 2010

O ATO CRIADOR,PARA MARCEL DUCHAMP

Marcel Duchamp é sem dúvida, junto de Jean Luc-Godard, o artista mais importante do século 20 pela maneira como abalou e restruturou a arte de seu tempo. A seu respeito, Giulio Carlo Argan ,no fundamental "A Arte Moderna"(Cia das Letras) afirmou que

transformou as estruturas da teoria e da operação estética, chegando a negar que a arte seja o processo em que se realiza a atividade estética”.

Não é pouca coisa, definitivamente, é provavelmente a maior guinada na arte desde a revolução da arte grega.
Inicialmente um pintor ligado ao cubismo e um pouco ao futurismo(ao qual nunca se prendeu), filiou-se ao grupo Dadaísta, criado por Tzara, para negar de forma completa a arte de seu tempo através do riso, do escracho, da anti-arte.
Mas não foi um mero “negador” da arte, ele a reconstruiu partindo de uma visão muito bem estruturada que daria origem a toda a arte contemporânea e destruturaria as tentativas dos teóricos da comunicação de encontrar o tal”sentido” ou a “significação” de uma obra de arte de uma maneira semelhante à operação da lingüística exatamente porque acreditava que o sentido da obra era exterior a ela, não se findava no objeto.

É mais ou menos assim até hoje e o principal motivo de muitas pessoas ficarem atônitas frente a uma obra da Bienal e dizerem “isso não quer dizer nada”. Quer sim, só que chama ao diálogo, pede a participação, seja mental(a instalação de Chantall Akerman), seja física mesmo (as obras de Yonamine e Hélio Oiticica, por exemplo).

Duchamp utilizava a noção de médium para dizer que o artista não é dono de sua obra, nem sequer a compreende completamente e que há muito mais de intuição do que de objetivo na criação. A obra, para ele, só ganha seu sentido com o reconhecimento do público, mesmo que este só venha com a posteridade, sendo que pouco ou nada importam as convicções ou intenções do autor acerca de seu trabalho:

o artista pode proclamar de todos os telhados que é um gênio;terá de esperar pelo veredicto do público para que sua declaração assuma um valor social e para que,finalmente, a posteridade o inclua entre as figuras primordiais da História da Arte.”

O primordial não estaria na esfera do racional (que é aquilo que o artista “proclama de todos os telhados”quando quer provar que é gênio) mas na do “inexpresso”.

A relação artista-público é, para Duchamp, uma forma de “osmose estética” que se dá do primeiro para o segundo e na qual “o papel do público é o de determinar qual o peso da obra de arte na balança estética” ao interpretar suasqualidades intrínsecas inacessíveis ao criador. E, mais do que isso, o público é quem completa o processo e, assim, “acrescenta sua contribuição ao ato criador” que “não é executado pelo artista sozinho”.



As citações foram tiradas doo ensaio "O ato criador",  de autoria do próprio Duchamp, contido no livro "A Nova Arte", de Gregory Battcock  (ed. Perspectiva) .

terça-feira, 19 de outubro de 2010

JEAN LUC-GODARD NA BIENAL DE ARTES

Esta Bienal é também dos cineastas, afinal hoje a arte não reconhece mais fronteiras. Além de Akerman, e Apichatpong Weerasethakul( o tailandês vencedor da Palma de Ouro de Cannes deste ano e também contemplado com uma mostra retrospectiva, esta no Cinesesc) há também Jean Luc-Godard que levou a arte cinematográfica ao limite(e a seu máximo)e agora o transcendeu.

 Sua obra é um vídeo, só vendo para entender, feito com uma única fotografia. Godard consegue dar movimento ao estático(e não é a técnica manjada do zoom e deslocar a câmera pela foto). Assim consegue fazer cinema e pintura numa só tacada, enquanto lê um texto poderoso, daqueles que são um soco no estômago e uma agulhada no coração. “Cultura é a regra, arte é a execessão”, ele diz em certo momento. “Todo mundo quer saber da regra, ninguém liga para a exceção”.
Pensemos a respeito.

Lisbeth Rebollo Gonçalves, organizadora e um das autoras de ‘Arte Brasileira no século XX (Imprensa Oficial), diz que o conceito de cultura “em amplo espectro” é composto, além da arte, da religião, das feitas e os rituais,  pelos "comportamentos sociais, os modos de produção econômica, as estruturas sociais, políticas, os sistemas de comunicação”. Para ela, “nesta definição, entrecruzam-se as esferas: socioeconômica, política, recnológica, cinetífica-teórica, estética,religiosa”. Godard é um revolucionário, portanto vê na prática uma cisão onde a professora da USP vê uma unidade teórica. O cineasta percebe hoje uma hipertrofia da comunicação, da publicidade, da esfera socioeconômica suplantando as demais. Cultura é a regra, arte é a execssão.

A arte cria dissonâncias, atritos que a publicidade, a TV e o cinema de Hollywood fazem tudo para evitar repetindo fórmulas conhecidas, entregando produtos facilmente digeríveis.

Nada na Bienal é muito fácil (e nem tudo é de tão alto nível) mas tudo é parte da exceção.
A regra você encontra na Globo ou no Cinemark mais próximo.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

29ª BIENAL DE ARTES DE SÃO PAULO- Primeira visita


Quem for visitar a 29ª Bienal de Artes vai precisar de fôlego e tempo além de disposição para voltar mais uma ou duas vezes.

Foram três horas de visita e um andar inteiro (o último)ficou por ver, além de várias obras e quase uma dezena de vídeos vistos apenas superficialmente (me detive na ação dos pixadores, mas deixei passar Lygia Clark, por exemplo).

Esse blog não é muito de usar o texto em primeira pessoa, mas vamos lá. Minha primeira indicação está no piso térreo, é  o impressionante trabalho de Ai Weiwei e suas esculturas dos animais do zodíaco chinês, trazendo algo da monumentalidade e da eternidade da cultura chinesa e seu estranhamento ao ocidente.

No primeiro andar o angolano Yonamine (que tem obras expostas também na galeria SOSO- Av. São João, 313, Centro) traz o caos visual, os frangalhos urbanos numa instalação que usa algumas técnicas da Pop Art (colagens, repetição de imagens da cultura de massas, reprodução de fotografias) numa chave completamente diferente para pensar a Angola contemporânea , o excesso de informação e imagens e o estado de favelização de suas cidades.

 

Também no segundo piso, a canadense Chantal Akerman tem uma instalação poderosíssima que é dos pontos altos desta Bienal algo irregular; começa(ou termina, depende de que porta você entra) com numa sala apertada, escura, claustrofóbica onde um aparelho de TV pequeno, no chão, reproduz um vídeo em VHS captada de uma câmera posta em cima de um veículo(não sabemos qual). Não há trilha sonora, apenas uma voz feminina que fala sobre uma cidade da Alemanha oriental, mas na realidade não vemos nada além do céu escuro sem estrelas, a não ser algum semáforo que por vezes está no caminho do veículo. Tudo o que temos é a emoção da voz a mexer com nossa imaginação. Em seguida (ou logo antes) mais de uma dezena de aparelhos de TV, cada um deles mostrando pessoas detsa cidade, andando, fazendo tarefas ordinárias.
Estamos rodeados, envoltos pela vida desta cidade que é, na verdade, parte da memória afetiva da cineasta (como a narração na outra sala já nos indicava). É o excesso em contraponto ao vazio, a presença ante a ausência da outra sala. Por fim um curta metragem não narrativo (Chantal é também cineasta, teve mostra retrospectiva exibida no CCBB de São Paulo este ano) onde viajamos por esta cidade e vemos com olhos de alguém familiarizado que retorna ao lar e contempla, apenas contempla.

E há Jean Luc-Godart. A ele, retorno.


29ª Bienal de Artes de São Paulo - 25 setembro - 12 dezembro 2010
                                        http://www.29bienal.org.br/

Horários de funcionamento :

De 2ª a 4ª feira: das 9 às 19h.
5ª e 6ª feira: das 9 às 22h.
Sábado e domingo: das 9 às 19h.
Entrada permitida até uma hora antes do fechamento - Grátis.
















sexta-feira, 8 de outubro de 2010

BIENAL DE ARTE - AI WEIWEI

Ai Weiwei ,que está nesta Bienal ,é um artista chinês de forte acento político. Tão forte que este ano levou uma surra da polícia chinesa e acabou hospitalizado. Recentemente em Tóquio ele expôs uma serpente toda feita com mochilas escolares que de tão grande e circundava todo o museu. A serpente, na cultura chinesa representa o perigo permanente.
Ai fazia ali um discurso em forma de arte, sobre um terremoto que vitimou mais de  cinco mil e quinhentas crianças, tudo indica, pela fragilidade das escolas construídas pelo governo(apelidadas de escolas de areia).tudo o que restara delas eram as mochilas. O governo abafou o caso e Ai encabeçou num movimento para dar nomes as vitimas. Daí levou uma surra e seu blog foi bloqueado. Mas em Tóquio ele mostrou tudo isso numa criação a um só tempo monstruosa e fantasmagórica, assustadora.


 


Numa performance na Documenta de Kassel ele levou 1001 chineses que nunca haviam saído de seu país. Com eles, 1001 cadeiras em estilo tradicional chinês.
Encontro, choque e curiosidade de parte a parte, ocidente e oriente e todo um pensamento sobre presença, ausência, uso, beleza, estranheza que ocuparia páginas e mais páginas mas que é expresso apenas com objetos ordinários e pessoas. Porque a arte é pensamento mas é também um diálogo com quem a vê(vivencia). Como pregava Marcel Duchamp, aliás, a quem voltaremos.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

A ARTE É UMA FORMA DE PENSAMENTO

A arte é um discurso sobre a realidade. Se esse discurso é político(mote da Bienal deste ano) ou não isso vai do artista, mas a Arte diz algo, senão é só exercício de perícia com o lápis, o pincel ou o buril. Mesmo as obras Renascentistas diziam algo além do tema (por tema entender deposição da cruz, mitologia, etc), sua obsessão pela ordem, pela composição triangular, até mesmo o uso da perspectiva eram parte das convicções dos 1400. Esvaziado esse sentido, vira maneirismo, exibicionismo de técnica.

A ciência fala sobre o mundo, seja a ciência exata ou a humana, ela discursa, aponta caminhos, explica, pensa. A arte também o faz, de outra maneira, assim como fazia (faz?) a mitologia ou mesmo a religião (quando não é mero balcão de negócios).
São maneiras de discursar, de entender e falar sobre o mundo. De pensar e fazer pensar. E para isso não é necessário que a obra seja complexa ou que tenha levado dez anos pra ficar pronta nem mesmo que seja agradável aos olhos.

O filósofo alemão Paul Cassirer acreditava que ciência, arte e mitologia eram formas de linguagem, ou melhor , tudo isso e mais a linguagem trabalhavam dentro do universo do simbólico. Entender a arte como linguagem causou um problema que se arrastou por décadas, mas isso não vem ao caso (pelo menos não agora). Vamos ficar com a idéia menos objetiva e mais livre de que a arte é um pensamento, uma forma de lidar com o mundo.

É com essa visão que prossigo analisando a arte contemporânea nas próximas postagens. 

VAMOS À BIENAL(PORQUE ELA NÃO VEM ATÉ NÓS)

No documentário “Jazz”,dirigido por Ken Burns, o trompetista diz que Charlie Parker, ícone máximo do bebop, é como Picasso, ele não vem até você, você é que tem de ir até ele. Com isso explicava a dificuldade dos contemporâneos de Parker(e mesmo das pessoas hoje) em apreciar sua arte “difícil”, que não tem melodias assoviáveis, nem se presta a passinhos de dança de salão(e jazz, na época, era sinõnimo de dança, de "fox").

Enfim, Picasso, no fim das contas, acabou vindo até nós por caminhos tortos, pela diluição do cubismo(ainda que ele fosse muito mais do que cubista), hoje até na embalagem do Toddy você vê figuras desenhadas a partir de mais de um único ponto de vista. Lógico, cubismo não era só isso, mas, de uma forma ou de outra, ele é “compreensível”à maioria das pessoas, que podem apreciar um quadro de Picasso sem grandes traumas.

Mas eis que retorna a Bienal de Artes de São Paulo, evento só superado em importância no mundo pela Documenta de Kassel, na Alemanha. Quem se aventurar não irá encontrar facilidade, não há um Romero Brito (aquele da embalagem do Omo ) de quem o curador Agnaldo Farias inclusive desdenhou em entrevista à revista Cult de setembro.

A arte contemporânea não se presta a uma interpretação fácil, logo aquele que vê não se agrada visualmente nem consegue se colocar na posição de diferenciar um bom artista de um picareta. Pra completar, ainda hoje persiste a idéia do “bem feito”, um quadro Renascentista , por exemplo, é bom porque é perfeito, quase real. Já as gravuras de Picasso (estão em exposição permanente na estação Pinacoteca, aqui em São Paulo), essas não são cubistas, parecem mais desenhos toscos feitos por uma criança, logo são uma porcaria.

Mudar a opinião de quem pensa assim dá trabalho porque requer um ensino de toda trajetória da História da Arte, das idéias de beleza, perfeição, etc.
Quem for à 29ª Bienal de Artes de São Paulo e não tiver lá muita familiaridade com arte contemporânea terá então de fazer algumas concessões.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Y- O ÚLTIMO HOMEM - nº 3

A sensação que se tem ao ler as primeiras 58 páginas de Y- O Último Homem(que correspondem aos números 11 e 12 da série original) é de que a série já sofre certo desgaste. Além do mistério que cercava a morte de todos os espécimes machos da face da terra, com exceção do artista de fugas Yorick Brown e seu mascote, o macaco Ampersand, o ponto forte era a crítica a uma sociedade na prática ainda machista; vários serviços vitais deixam de funcionar porque eram executados quase que exclusivamente por homens. Mas trezentas páginas já tinham deixado isso suficientemente claro, de modo que é necessário mudar um pouco o foco .

A edição passada já anunciava que Yorick poderia não ser, enfim, o último homem uma vez quel havia três astronautas a bordo de uma estação espacial, dois dos quais homens, rumando de volta para a Terra. Mas como a estrutura desta HQ segue as das séries dramáticas de TV com uma história central que não se resolvem e outras menores que, estas sim tem desfecho rápido,imaginamos logo como as coisas devem terminar- é característico também que as coisas mudem para, no fim, continuarem as mesmas. E, para completar, o protagonista cheio de tiradas engraçadinhas já começa a irritar, bem como as insistentes referências a cultura pop( todas devidamente explicadas pela edição brasileira). Aí fica claro o ponto mais frágil do roteirista Brian K.Vaughan, que é a construção de personagens. Deslumbrado com sua facilidade para bolar diálogos “à Peter Parker”ele faz com que todos falem pela mesma boca, da mesma maneira, como se tivessem a mesma formação cultural. Acontece que Vaughan não é qualquer um, longe disso, e resolve a trama dos astronautas da maneira mais previsível possível e, ainda assim, surpreende o leitor.

No entanto o que salva mesmo a edição é o arco composto por duas histórias sobre um grupo de teatro amador que, ao encontrar Ampersand, decide criar uma peça sobre “o último homem da terra” ( referência declarada ao livro homônimo de Mary Sheley, mas também, claro, à HQ) De quebra as moças querem que seu espetáculo seja revolucionário, capaz de tocar corações e mentes, mudar o mundo e mais um pouco, ainda que nenhuma delas tenha um pingo de talento. Metalinguagem complexa e humor afiado fazem deste um dos melhores momentos de toda a série.

Aí o desânimo já foi embora e nos faz esperar novamente pelo melhor.

Ah, sim, no meio de tantas notas explicativas, podia ter sido esclarecido também que, tanto lá como cá, “merda” é o que dizem os atores uns aos outros antes de entrar no palco, como forma de desejar boa performance.

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texto produzido para o site HQManiacs

PS. Peço desculpas ao leitor. A absurda falta de tempo desta semana impediu a produção dos textos sobre a Bienal de Artes. Farei o possível para postá-los semana que vem.