quinta-feira, 30 de abril de 2009

CINEMA É BOA OPÇÃO NA VIRADA CULTURAL

Para quem quiser fugir da grande concentração de pessoas nos eventos musicais, a Virada Cultural tem como alternativa uma boa seleção de curtas e longas metragens exibidos em diversos pontos do centro da cidade.
A programação do Cine Olido traz oito filmes que fizeram sucesso na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo com destaque para O Sol de Alexander Sokurov que concorreu ao Urso de Ouro no Festival de Berlin em 2005 e o elogiado musical “nouvelle vage” Canções de Amor de Cristophe Honorè.
Se a ideia é não perder muito tempo, uma boa opção é a retrospectiva do Festival do Minuto, com filmes exibidos nos intervalos dos shows no palco da Avenida São João.
Também entre os espetáculos musicais acontece o Festival Internacional de Curtas Metragens, que projetará filmes de até 20 minutos num telão instalado do lado de fora do Theatro Muncipal.
Para os fãs do terror há também uma jornada de 24 horas só com filmes sobre zumbis no Cine Dom José.
Como ocorreu ano passado, o Festival do Minuto premiará com R$ 5 mil o melhor vídeo feito durante o evento. Os trabalhos poderão ser enviados até 11 de maio. O regulamento está disponível em
http://www.festivaldominuto.com.br

O Cine Olido fica no interior da Galeria Olido, no Largo do Paissandu; o Theatro Municipal está localizado na praça Ramos.
Cine Dom José : Rua D.José de Barros, 306, centro.
A programação completa da Virada Cultural está disponível em http://viradacultural.org/programacao/

quarta-feira, 29 de abril de 2009

VIRADA CULTURAL TERÁ 24 HORAS COM FILMES DE ZUMBIS


Mortos-vivos com apetite por cérebros tomam conta da programação do Cine Dom José na Virada Cultural. Serão exibidos gratuitamente 14 filmes durante as 24 horas do evento que ocorre nos dias 2 e 3 de maio.
O espectador terá a oportunidade de conhecer dois antecessores do gênero;Um deles é “O Zumbi” (The Ghoul), filme de 1933 estrelado por Boris Karloff dois anos depois de conquistar a fama com seu papel mais icônico, o monstro de Frankenstein. “Zumbi, no entanto,guarda mais semelhança com outro clássico de Karloff, “A Múmia”(1932), afinal a ressurreição está ligada a um artefato do Egito Antigo. No outro, o inglês “Epidemia de Zumbis”(Plague of the Zombies, 1966), de John Gilling, os mortos voltam à vida através da magia negra e não se alimentam de carne humana.
“Noite dos Mortos-Vivos”(Night of the Living Dead, 1968) de George Romero é o clássico absoluto. Inspirado nos vampiros de andar cambaleante do filme italiano “Mortos que Matam” (The Last Man on Earth) - versão do livro “Eu sou a Lenda”, de Richard Matheson , Romero uniu a lenda caribenha dos mortos-vivos canibais com o apocalipse bíblico (“quando o inferno estiver lotado, os mortos caminharão sobre a terra”) e a idéia de contágio através da mordida (comum nas lendas de lobisomens e vampiros) e criou com isso um gênero. Daí em diante, todo filme em que aparecessem mortos-vivos fariam referência (e reverência!) a ele. Mas o diretor americano fez muito mais do que isso e dotou seu filme de uma mensagem contracultural poderosa, batendo de frente com o racismo e a loucura bélica dos tempos da Guerra do Vietnan. Ainda de Romero, “Despertar dos Mortos” (Dawn of the Dead , 1978) violenta crítica à sociedade de consumo e sua continuação “Dia dos Mortos” (Day of the Dead, 1985) com humanos presos num abrigo subterrâneo.
A seleção passará ainda por pastiches do gênero que flertam com a comédia, como “A Volta dos Mortos Vivos” 2 e 3 (1988 e 1993 respectivamente), e pela Itália, pátria dos zumbis etruscos e inteligentes de “Burial Ground”( Le n otti Del Terrore, 1981) e do ultraviolento “Zombie-A volta dos Mortos Vivos” (Zombie 2, 1979) , do cultuado diretor Lucio Fulci.
Da safra mais recente, o elogiado “Pelo Amor e pela Morte” (DellaMorte,DellAmore, 1994), de Michele Soavi, a refilmagem de “Despertar do Mortos”, “Madrugada dos Mortos” (Dawn of the Dead, 2004), feita por Zack Snyder (de Watchmen) e os zumbis velocistas de “Extermínio” (28 Days Later, 2002) do vencedor do Oscar deste ano Danny Boyle .
Uma das melhores opções da mostra, no entanto, é “Planeta Terror”(Planet Terror, 2007) do diretor de “Sin City”, Robert Rodriguez, parte do malfadado projeto Grindhouse, que, com “À Prova de Morte” (DeathProof- inédito no Brasil) de Quentin Trantino buscava recriar as sessões malditas de filmes de terror nas pequenas salas norte-americanas de trinta anos atrás. Espécie de colagem dos clichês e defeitos dos filmes de terror dos anos 1970, “Planeta Terror” tem cenas extremamente violentas, personagens bizarros (Rose McGowan com uma metralhadora no lugar da perna amputada !) , trailer de filmes inexistentes, falsas falhas durante a projeção e erros de continuidade propositais. O final, então, é antológico, uma junção, numa só cena desavergonhadamente cafona, de todos os happy ends possíveis nos filmes do gênero.
Mas, imperdível mesmo é “A Última Mulher do Mundo”, projeto da Orquestra Visual Chawarma que , em aproximadamente 20 minutos fará uma espécie de “remix” de “A Noite dos Mortos Vivos”. Com dois músicos e dois editores de vídeo, a Chawarma recriará o clássico de Romero fazendo uma nova edição ao sabor da improvisação musical.

O Cine Dom José fica na Rua Dom José de Barros n 306, Centro, próximo à Av RioBranco e o Viaduto Santa Efigênia

Programação completa da Virada Cultural disponível em :

http://viradacultural.org/programacao/


PROGRAMAÇÃO
DIA 02
18h00 – Zombie, A Volta dos Mortos Vivos (Zombie 2, Lucio Fulci)
20h00 - O Zumbi (The Ghoul, T. Hayes Hunter)
22h00 – Pelo Amor e pela Morte (DellaMorteDellAmore, Michele Soavi)
DIA 03
00h00 – Planeta Terror (Planet Terror, Robert Rodriguez)
02h00 – A Noite dos Mortos Vivos (Night of the Living Dead, George Romero)
03h40 – A Última Mulher do Mundo – (George Romero ) com Orquestra Visual Chawarma
04h00 – Despertar dos Mortos (Dawn of the Dead, George Romero)
06h00 – Amanhecer dos Mortos (Day of the Dead, George Romero)
08h00 – A Volta dos Mortos Vivos – parte 2 (Returne of the Living Dead 2, Wiederhorne)
10h00 – Burial Ground (Le n otti Del Terrore, Andrea Bianchi)
12h00 – Epidemia dos Zumbis (Plague of the Zombies, John Gilling)
14h00 - A Volta dos Mortos Vivos 3 (Returne of the Living Dead 3, Brian Yuzna)
16h00 – Madrugada dos Mortos (Dawn of the Dead, Zack Snyder)
18h00 - Extermínio (28 Days Later, Danny Boyle)

segunda-feira, 27 de abril de 2009

TIRINHAS - PARTE 2 (FERNANDO GONSALES)


Fernando Gonsales é um sujeito sem grandes altos e baixos; é raro ele publicar algo que não seja digno de atenção. No entanto algumas vezes ele consegue ser ainda melhor do que o habitual, como nesta tira que não é só incrivelmente engraçada como também nos faz pensar em programas como TV Fama e SuperPop. Ele podia ter escolhido outro animal, em outra situação, mas uma porca prestes a ser comida é absurdamente significativo. Até onde vão as pessoas que querem se tornar (ou se manter como) celebridades ? Uma situiação humilhante, a mais degradante possível para a porquinha é igual àquela que faz de pessoas nada mais do que porcos.

Alguém aí falou em Leila Lopes ?

HOUSE


House , que desde semana passada voltou a ter episódios inéditos no Universal Channel, é um seriado frequentemente acusado de ser formulaico e ter uma estrutura rígida ou, em outras palavras, de ser sempre a mesma coisa. Isso ocorre por que a estrutura é a de uma série de investigação como a “franquia” CSI, com a diferença que no lugar de um crime enigmático a ser desvendado há uma doença misteriosa a ser diagnosticada e curada. De fato a estrutura de House é rígida; os roteiristas seguem certas normas tão à risca que é possível prever os desdobramentos da trama com uma boa antecedência. No entanto não é na trama central que reside o interesse maior da série e sim nas subtramas .
Já sabemos muito sobre House, o quanto seu físico aleijado é tanto um contraponto à sua mente supercapacitada quanto uma metáfora de sua fraqueza espiritual, sua incapacidade de se locomover equivalendo à de estabelecer relações afetivas seja com colegas, pacientes ou mulheres. Sendo assim, para evitar desgaste prematuro da série, os roteiristas frequentemente se concentram nas subtramas secundárias; até recentemente a mais explorada era a do casal de médicos Foreman-13, como já foi em temporadas passadas com Cameron-Chase. Há também a trama particular da diretora do hospital, Dra Cuddy, que cada vez mais se entrelaça com a de House.
Já a trama central evolui invariavelmente assim : House convoca a equipe e em seguida chega a um diagnóstico, que se mostra errado. Os sintomas do paciente se agravam ,surgem mais alguns dianóstico, tudo parece resolvido até que surge um sintoma absolutamente inesperado bem mais grave que os outros . Durante uma conversa casual que nada tem a ver com o caso do paciente, House tem uma revelação e descobre a cura. Normalmente uma trama secundária está lá para ajudar a evoluir a trama central,para dar suporte a ela. O que ocorre cada vez mais em House é o oposto. As doenças misteriosas interessam menos do que as relações entre os personagens, que se não chegam a ter a complexidade dos de séries da HBO como A Sete Palmos ou Família Soprano, são muito bem construídos. Suas personalidades não são entregues ao espectador numa bandeja, elas vão se revelando aos poucos e de maneiras muitas vezes surpreendentes. Para ficar num exemplo: Foreman adquiriu muito da personalidade de House e, para conquistar sua colega de trabalho, apelidada de 13, foi capaz de todo tipo de ação anti-ética. Mas ele não é apenas egoísta, descobrimos, mas alguém que toma medidas extremadas, tanto que cogita perder a licença médica para aliviar a culpa de ter infringido a ética médica.

Para uma série que segue uma estrutura repetitiva, House segue mostrando que tem ainda muito a oferecer.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

MUTTS - OS VIRA-LATAS


A frase “para um cão, todo dia é Natal” somada à imagem acima já bastaria para convencer qualquer pessoa (tenha ela um animal de estimação ou não) a ler Mutts-Os Vira-Latas, álbum da Devir que reúne as tiras criadas por Patrick McDonnell em 1994. As aventuras do cãozinho Duque e do gatinho Chuchu (que, contrariando o senso comum , são bons amigos) mais do que qualquer filme ou História em Quadrinhos torna possível entender o espírito (na falta de um termo melhor) de um animal.
Como Calvin, de Bill Waterson, Mutts é uma tira de que vale mais falar muito pouco, pois há sempre o risco bastante grande de pear pelo excesso, de contar em detalhes absolutamente todas as historinhas, descrever todos os desenhos.
Melhor lembrar que Matt Groening (criador Simpsons) e Charlie Shulz (Snoopy) são fãs declarados da obra de McDonnell.Daí não há mesmo mai nada a dizer.


Mutts-Os Vira-Latas tem 128 páginas e custa R$ 23,00.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

TIRINHAS - PARTE 1 (ANGELI)




Esses três quadrinhos dariam um tratado. Toda a arrogância dos bem nascidos (e da classe média, que neles se espelha) exposta num jato de vômito que à iguala a seu discurso cheio de preconceito e discriminação. Os que pedem por pena de morte são os que agam para escapar aos seus delitos. Aos olhos da lei (e de Angeli), estão todos imundos. Isso me lembra do programa de matinal de TV(não me reordo o nome) com José Luís Datena e Patrícia Maldonado. Datena, promotor, juíz, juri e (sobretudo)carrasco batia o martelo sobre o "caso Adriano" e o "mau exemplo" que este dava às crianças ao parar de jogar bola e entregar-se ao vício(dedução dele, Datena, o onisciente). Patrícia Maldonado, que há bem pouco tempo apresentava um programa onde tentava unir o amor de dois pré-adolescentes, foi taxativa ao comparar Adriano a Kaká: "mas ele é de berço" , "esses moços (vindos da favela, entenda-se) não têm preparo, não sabem administrar seu dinheiro". Certo, brancos classe média tem por caractarístia de sua casta o dom de bem gerir empresas e fortunas e não entregar-se a vícios de espécie alguma.

Sensatez veio só mesmo do "maloqueiro" Ronaldo, que, em defesa do colega, notou como o mundo está cheio de "santos que nunca erram". Essa gente que, com perdão da expressão, não fuma não bebe e não fode é que Angeli retratou tão bem.

Alguém precisava fazer isso.



Publicada pela Folha de São Paulo em 15 de Abril

terça-feira, 14 de abril de 2009

PAPO DE BALCÃO !


- Grande Abraço ao jornalista Clayton Melo, colega do curso do Inácio Araújo e editor do excelente site Ponto de Fuga http://www.pontodefuga.jor.br/ . Respondendo :É verdade, Piada Mortal foi relançada, mas é uma versão com cores "by photoshop"feita pelo desenhista, o inglês Brian Bolland, seguindo o que, segundo ele era a idéia original com o uso de cores mais frias. Na prática muito daquilo que a gente aprendeu a adorar (o roxo berrante do Coringa, por exemplo) desapareceu. E, creio, a versão que você comprou foi a primeira a sair no Brasil, em 1989, mesmo ano do Cavaleiro das Trevas encadernado, salvo engano.
A Piada Mortal, pra quem não sabe, celebrizou aquela que é a imagem mais famosa do Coringa, esta que eu reproduzo acima.
- "O cinema do papai está morto. Viva o Novo Cinema Alemão" é o nome do curso que será ministrado pelos críticos Francis Vogner dos Reis (Revista Cinética) e Sérgio Alpendre (Guia de livros e filmes da Folha) entre os dias 13/05 e 29/07. Por "novo cinema alemão" deve-se entender a geração de Werner Herzog, Rainer Fassbinder e Win Wenders que fez renascer acinematografia naquele país após um período de esterelidade pós-hitlerista.
- Em Santo André, aproveitando o suesso de Gran Torino, o Cineclube Alpharrabio presta homenagem a Clint Eastwood em duas sessões gratuitas (dias 22 e 29) em que serão exibidos
"Josey Wales, o Fora da Lei" (1976) e "As Pontes de Madson" (1995) respectivamente.

BLOG DO INÁCIO ARAÚJO

Este é um texto extraído do blog Cinema de boca em boca, do crítico da Folha de São Paulo Inácio Araújo e que foi postado no dia 20 do mês passado. Nele o crítico busca compreender os motivos que levam a um fenômeno facilmente visto fora do circuito dos Cinemarks da vida, o sujeito largar um filme antes do final.
Para quem não conhece o blog , o endereço é http://inacio-a.blog.uol.com.br/
Quando você sai do cinema?

Espero não estragar a pauta da "Zero Hora", que achei oportuníssima.
O repórter, Gustavo, me perguntou: por que as pessoas saem do cinema no meio do filme?
O caso atual era do filme do Laurent Cantet, "Entre os Muros da Escola".
A pergunta dele foi: você já saiu do cinema
?
Sim, várias vezes. Me lembro que uma vez fui ao cinema com o Jairo Ferreira. O filme tinha começado há dez minutos e ele, inquieto, falou pra gente ir embora. "Mas Jairo, eu ponderei, a gente acabou de comprar a entrada". "Então, ele respondeu na lata, eu já perdi meu dinheiro, não vou perder meu tempo".
Me parece, isso que eu disse ao Gustavo, que a pessoa sai do cinema por duas razões: ou porque o repertório lhe parece muito batido ou porque ele se sente perdido diante do que vê. São espectadores diferentes.
Fazendo uma comparação provavelmente ruim, eu disse que quem só ouve pagode, quando escuta Beethoven aquilo lhe parece inaudível. Do mesmo modo, quem escuta Beethoven o tempo todo não vê no pagode senão cacofonia.
A comparação é ruim porque desfaz do pagode, que eu não conheço, não sei se é bom ou ruim (e também não conheço Beethoven tanto assim, ninguém pense).
Mas poderia ser outra: quem gosta de ler, digamos, um best-seller como "O Código Da Vinci" deve achar o Kafka uma chatice infinita, uma coisa em que não acontece nada. Ou quem curte poesia melosa não aguenta a música do Cartola. Etc.
Ocorre que tanto a literatura como a música (e mesmo o teatro) têm seus estatutos definidos; o cinema, não.
Me parece que, hoje, o cinema tornou-se uma diversão de fim de semana. Quem vai, depois de apanhar de segunda a sexta, quer um pouco de sossego, quer encontrar coisas estabelecidas, espiões que espionam, vilões que fazem vilanias, etc. e tal.
Então, quando a pessoa cai diante de um filme do Laurent Cantet, do Kiarostami, do Oliveira, do Godard, enfim.., ela não admite que, às vezes, é preciso um pouco de sacrifício para gostar de uma coisa
.
E que o cinema comercial, nas últimas décadas, nos acostumou com as "cócegas nos olhos", como alguém definiu, de tal modo que qualquer coisa que demora um pouco mais parece insuportável a quem se acostumou com isso.
Acrescente-se ainda: hoje a crítica está desmoralizada (vamos falar disso outro dia). Para que servem os críticos? Para nada: o que conta na distribuição do filme é a publicidade (sempre foi assim, mas antes havia certa convivência).
Então, o cara que vai ao cinema porque "Entre os Muros" ganhou a Palma de Ouro ou coisa assim acha que tem diversão garantida e ponto final. Mas se vê diante de um objeto estranho para ele. Para ele existe o mocinho, o bandido e um obstáculo no meio. Ali a coisa é um pouco mais complicada. Trata-se de compreender um mundo que mudou muito (o europeu, o francês mais especificamente) e que nós hoje mal conhecemos. Compreender mudanças a partir de uma escola, da diversidade de experiências contidas na sala de aula, à qual se acrescenta ainda outro elemento: a adolescência. Não há trama, praticamente, no sentido americano. O espectador não tem como se situar.
Que fazer para mudar isso? Não faço a menor idéia.
Entre os muros do meu curso (Cinema - História e Linguagem) aconteceu uma coisa que me parece sintomática. No primeiro ano que apresentei o "Deus e o Diabo" mostrei só a segunda parte, porque eu temia que os alunos odiassem aquilo. Ora, para minha surpresa eles sentiram falta do que eu não tinha mostrado. Então mudei isso. Imagino que isso tenha acontecido porque quando a pessoa é confrontada "a seco" a um filme como "Deus e o Diabo" tem a impressão de ter visto um disco voador ou coisa assim. Quando observa a história do cinema se organizar, uma coisa surgir da outra, as conversas, etc., então quando acontece um filme como esse, tudo faz todo sentido.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

CAVALEIRO DAS TREVAS -CRISE ECONÔMICA E A VIOLÊNCIA DOS HERÓIS






A década de 1970 legou aos EUA uma herança maldita: inflação, desemprego próximo do recorde histórico e criminalidade crescente. Legou também dois duros golpes no moral norte-americano: a humilhante derrotada no Vietnã e um presidente, Richard Nixon, que renuncia a seu mandato para escapar do impeachment . O retorno das tropas, aliás, inunda a rua de homens dependentes de drogas, extremamente violentos e mentalmente abalados pelos horrores da guerra. Que justamente nesta época os heróis tenham se tornado problemáticos e agressivos não surpreende ninguém;heróis violentos e sem caráter já tinha surgido em outro momento de abalo social e econômico, os anos 1940, na forma do film noir.
Em 1970, a inflação, que já era alta , 7%, bateria nos 13 pontos dez anos depois, impulsionada pelas crises do petróleo (em 1973 e 1979) que fizeram disparar o preço dos combustíveis , oque abalou a economia e elevou as taxas de desemprego. Somente o governo Reagan (1981-1989)iria recolocar as coisas nos eixos , ajustando a economia e elevando o moral do cidadão - inicia-se a era dos blockbusters no cinema ,dos heróis anabolizados e da revisão da guerra(Rambo e Bradock retornam ao Vietnã e,sozinhos, vencem a guerra !).

No período de crise,no entanto, surgem filmes que irão pensar a violência social como “Dirty Harry- Perseguidor Implacável”, de Don Sigel (1970), “Taxi Driver”(1976) de Martin Scorcese e os faroestes de Sam Peckimpah, que retratavam um Oeste extremamente violento e desononrado, completamente despido da aura de mito fundador da nação. A graphic novel “O Cavaleiro das Trevas” (The Dark Knight Returns), de Frank Miller é de 1986, portanto distante dez anos do olho do furacão econômico, mas nem a ferida desmoralizante do Vietnã ainda não havia sido completamente sanada, como mostra Rambo-Programado para Matar, de 1982, - este também um herói traumatizado e em desacordo com seu mundo - como a criminalidade continuava um problema por se resolver e a economia ainda sofria os efeitos da segunda crise do petróleo ( que duram até justamente 1986). Para se ter uma idéia, a prostituição e o crime continuariam sendo problema em Nova York (e Gotham City é N.Y !) até que a gestão Rudolph Giuliani (1994-2002) derrubasse as taxas em mais de 50 %.
Os problemas do mundo real já tinha chegado aos quadrinhos de super-heróis havia algum tempo; a série "Green Arrow/Green Lantern", por exemplo, na década de 1970 já lidava com questões como racismo, desemprego e drogas. No entanto os super-heróis continuavam além de qualquer questionamento, que só viria com "Watchmen", de Alan Moore em 1986. Em "O Cavaleiro das Trevas" Miller traz este elemento novo que é a perturbação psicológica do herói. Ele é tão obcecado quanto Travis Bickle, o personagem de Robert DeNiro em “Taxi Driver”. Há algo de maníaco na busca destes dois por limparem suas cidades que descende diretamente de Ethan Edwards , personagem de John Wayne em “Rastros de Ódio” , de John Ford (1956). Lá o herói do western fora reduzido a um quase morto-vivo a quem só importava sua busca insana e violenta pela sobrinha raptada pelos índios 14 anos atrás, ainda que ela se recusasse a retornar.
Bruce Wayne, aposentado, sente como se um demônio estivesse urrando para sair de dentro dele. A bebida cara, as mulheres, as corridas de carro, nada disso lhe satisfaz. Apenas quando volta a vestir a roupa de Batman é que se sente vivo de fato. Já Travis , veterano do Vietnã ,é uma criatura dominada por uma solidão patológica, incapaz de se relacionar com quem quer que seja, mas que acredita ser talhado para limpar as ruas, o que fará trabalhando seu corpo , mudando drasticamente seu visual (cabelo moicano e farda militar) e se valendo de uma tonelada de armamentos. Para Wayne como para Bickle, a apoteose desta missão autodestrutiva (que tem algo de sagrado e masoquista) deixa ambos a um passo da morte.
Ainda que tanto em “Taxi Driver” como em “O Cavaleiro das Trevas” conheçamos a cidade decadente pelos olhos dos protagonistas, no filme de Scorcese, através do uso da câmera lenta e outros efeitos ,percebemos o quanto esta é uma realidade distorcida pelo racismo, misoginia e isolamento patológico de Travis. Aliás, é frequente a câmera abandonar Robert DeNiro e focalizar somente as ruas de NY e sua fauna de prostitutas, bêbados e pequenos artistas.A cidade,aqui, está viva. Já na graphic novel o que Batman vê e nos diz é inquestionável. Não nos é mostrado nada além daquilo que corrobora a visão do herói. A cidade, para Miller, está morta.
O autor é tão ultradireitista que ridiculariza Ronald Reagan e o otimismo de sua política ao mostrar o presidente como um paspalho piadista. Também o Superman (que no cinema personificava essa fé nos valores americanos) é mostrado como um herói de cabresto, acovardado. Para Miller, nem o presidente nem o Homem de Aço sabem o que realmente acontece nas ruas de Gotham/New York nem compreendem que é pela força, pela iniciativa (violenta) do cidadão tornado Travis Bicle/Batman que as coisas se resolvem.
A equação pessimismo+crime+desemprego impôs mudanças drásticas ao perfil dos personagens heróicos nos anos 1970. Resta saber como eles irão se mostrar daqui em diante quando a situação parece se repetir; em entrevista à Folha de São Paulo, publicada no último dia 6, o cientista político Demetrius Papademetriou teceu comparações entre a crise da década de 1970 e a atual. Em 1982 os índices de desemprego eram maiores, no entanto os demais indicadores econômicos “não estavam nem perto de ser tão ruins”.
A diferença,claro, fica por conta do elemento utópico encarnado na figura de Barack Obama No cinema já tivemos Milk, de Gus Van San, sobre o heroísmo de um político homossexual na defesa dos direitos das minorias e Gran Torino, de Clint Eastwood, sobre o veterano reconciliando-se com aqueles que outrora foram tomados por inimigos. Talvez , mesmo com a crise, estes sejam tempos seja muito mais de um Superman do que de um Batman.

A OBSESSÃO MORALISTA DE FRANK MILLER

Miller nunca cessou de acreditar na luta do homem cristão ocidental contra um mundo em decadência. Para ele, a decadência é antes de tudo moral e ele a expressa na forma de cidades destruídas, sujas, escuras (tudo é uma grande Sin City). Extirpar “a escória do mundo”, mantra de seu Batman é uma obsessão constante. Tanto em "Cavaleiro das Trevas 2", quanto em "Ronin", mendigos são retratados como mortos vivos, criaturas que grunhem ao invés de falar e saem dos esgotos em busca de vítimas. Ao herói cabe espancá-los e colocá-los de volta ao buraco de onde vieram.
Em "300 de Esparta" há a exaltação da honra de uma sociedade tão belicista quanto os EUA da Era Bush em oposição a um povo oriental tomado por crendices místicas. Tal povo (todo oriente médio, a saber) deve ser exterminado. A missão, ainda que leve à morte dos nobres espartanos(norte-americanos) é não sucumbir ao avanço destes. Que esta graphic novel tenha sido produzida durante o momento em que a globalização levou a migração (legal e ilegal) a níveis inéditos na História humana, forçando a uma tomada de posição frente a culturas diferentes, é significativo. Ainda que qualquer um saiba que a taxa de natalidade da população dos países desenvolvidos é cada mais baixa, o que implica em pouca mão de obra disponível – pelo menos era assim antes da crise- reconhecer a necessidade que seu país tem destes “persas” com sua religião exótica é para ele impensável.
Quanta diferença de Gran Torino, portanto.
Por fim, percebemos que Miller é o exato oposto de Will Eisner, um home que via o mundo,em crise ou não, com olhos poéticos (como demonstrei neste blog ao longo de 4 textos). A adaptação de uma obra sua, Spirit, por Miller não poderia ser mais inadequada. O fracasso,portanto, foi justo.
Nada aqui leva em conta a qualidade ou não dos trabalhos de Miller. Isso já foi assunto de longo e caloroso debate no site Universo HQ.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

GRAN TORINO


Walt Kowalski é um veterano da Guerra da Coréia cujo temperamento intratável o afasta do convívio com os filhos. Viúvo, tem por companhia apenas uma cadela (também envelhecida), os vizinhos da etnia Hmong, a quem despreza e uma orgulhosa bandeira norte-americana na sacada onde, sentado numa cadeira de balanço, olha desgostoso para a rua.
Na garagem, um Gran Torino 1972, fabricação Ford, grande, elegante e de motor poderoso. É retrato de um tempo diferente, não só para a indústria automobilística quanto para a sociedade como um todo. De lá para cá a globalização reorganizou as forças no cenário internacional (a ponto da China cobrar as dívidas estadunidenses!) e as montadoras norte-americanas e européias não só perderam espaço como se mostraram obsoletas perante as asiáticas. A atual crise econômica só escancarou o que já era óbvio há bastante tempo. Os Hmongs, significativamente, são oriundos de uma região entre a China e a Tailândia,uma etnia sem pátria definida, portanto.
A xenofobia está diretamente relacionada, não só ao contato crescente e incontornável com o estrangeiro(o G8 cede cada vez mais espaço ao G20) mas também – e até por isso- à noção de identidade, que cada vez mais torna-se uma abstração
Não é de se espantar que cada um na vizinhança de Kowalski ,sejam eles latinos, asiáticos, negros ou brancos (caso dele próprio) defenda sua identidade da maneira mais radical possível, ou seja, com armas. Frente à inevitável descaraterização, radicalismo e violência como forma de defesa.
Durante esse embate velho contra-jovens, veterano contra gangues, moinho contra bandido somos em determinado momento levados a embarcar naquele cinema policial dos anos 70,das séries “Desejo de Matar” (com Charles Bronson) e “Dirty Harry” (com o próprio Clint) , em que o espectador compartilha a sede de vingança do policial e triunfa com ele. Mas Gran Torino não compactua com as certezas ingênuas e violentas daquele tempo em que o inimigo era facilmente identificado e merecia punição. Se então tudo se resolvia com socos, pontapés e o aperto de um gatilho, hoje ,após o fiasco de oito anos de uma política externa beligerante, Clint deixa claro que isso só traz mais problemas e mais violência.
Não há mais volta, os vizinhos são Hmongs, os médicos são indianos, os atendentes muçulmanos e por aí vai. A moral do enfrentamento torna-se tão absurda quanto as piadas xenófobas de Walt, que acabam provocando risos.
O filme significativamente começa com um enterro e um batizado. Que as armas fiquem no passado, nos diz Clint Eastwood.



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Na próxima sexta tratarei da situação dos EUA nos anos 1970 e como isso se traduziu na violência justiceira do cinema(Dirty Harry incluso) e seu reflexo na graphic novel O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, um autor, a propósito, que não cansa de afirmar sua fé na violência como forma de resolução de conflitos.

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Ao contrário do que se falou por aí, Walt Kowalski não é um Dirty Harry. Ele está muito mais próximo de Willian Muny,o pistoleiro “assassino de mulheres e crianças” de Os Imperdoáveis (1992), que ele mesmo dirigiu. Lá ele invertia os códigos do western(o bandido era o xerife) e mostrava, o quanto o herói deste gênero não tem nada de heróico. E sendo o western a mitologia de formação dos EUA como nação, ele varre para fora do tapete toda a violenta de seu heroísmo, exatamente como Walt Kowalski, que se envergonha da medalha ganha na Coréia. A construção da imagem do heroísmo com outros fins está também expressa em A Conquista da Honra(2006), que conta o destino dos soldados que posaram para a emblemática foto que se tornaria propaganda da entrada triunfante dos EUA na segunda Guerra Mundial. Já a tentativa -que perpassa todo Gran Torino- de compreender o Outro, tradicionalmente entendido como “inimigo”, está em Cartas de Iwo Jima(2006), que mostra o outro lado desta história, o dos japoneses que defendiam sua ilha da invasão norte-americana.


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É curioso notar o quanto o trailer do filme nos fazia acreditar numa típica história “velho durão enfrenta jovens petulantes e sai vitorioso”. Quem acreditou nisso comprou lebre por gato. Ainda bem.


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Num outro cenário, em 1992, Will Eisner escreveu e desenhou a graphic novel Avenida Dropsie para entender a gênese daquilo que Gran Torino nos mostra: difícil (e inevitável) coexistência de culturas diferentes num mesmo local. À vizinhança primeiro chegam os irlandeses e judeus, depois os italianos, os negros e por fim os latinos. Cada um que chega é hostilizado pelos predecessores, que vêm nos seus hábitos e cultura uma afronta ao costumes dos moradores do bairro.