quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

MÚSICA E FOTOGRAFIA NA ERA DIGITAL


Há muito a elogiar no advento do MP3; ele permitiu um acesso à música sem precedentes e por isso mesmo abalou a indústria fonográfica, que vivia de nos fazer acreditar que certas músicas eram sucessos (quando na verdade eles pagavam pelos primeiros lugares nas “mais pedidas”das rádios e por aparições em programas de TV) e de cobrar preços absurdos pelos CDs o que elitizava o consumo. No entanto o MP3 é só a decorrência de uma cultura digital que começou com o fim do suporte analógico, ou seja o disco do vinil, no caso da música, e do filme, no caso da fotografia e do cinema.
Com o vinil havia (e ainda há, para os colecionadores) uma relação completamente diferente com a música do que há, por exemplo, com o CD. É uma relação afetiva por envolver contato, toque. Pode parecer bobagem, mas o ritual de retirar o disco da capa de papelão, decidir qual dos lados pôr para tocar e, em seguida, aproximar a agulha cuidadosamente da faixa escolhida é infinitamente mais afetivo do que colocar um CD para tocar. Este, é claro, é mais prático, pode ser levado no carro (dispensando as cópias em fitas K7) e permite a reprodução em qualquer computador portátil com a mesma qualidade do original.
A opção pela praticidade logo de cara vitimou o impacto da arte das capas dos discos, que em virtude do formato pequeno dos CDs perderam em valor. Quem quer que já tenha visto o “Sgt. Pepper’s ”, dos Beatles em vinil e em CD sabe bem do que estou falando. No disquinho, as inúmeras personalidades que rodeiam o Fab Four vestido em trajes vitorianos não são mais que um borrão. Que as pessoas pouco se importem com o fato de, ao copiarem um CD, não tenham a capa original, mas apenas um disco num saquinho de papel, não é de se estranhar. Alguém pode lembrar que a capa nunca impediu ninguém de gravar fitas K7, mas estas raramente substituíam um disco, eram sempre uma última opção.
Era significativo o hábito (aliás, abominado pelos colecionadores) de escrever nas capas dos discos de vinil, fosse o próprio nome, fosse uma mensagem a quem ele fosse dado de presente. Quase sempre colocava-se uma data. Isso deve ser entendido hoje menos como desleixo e mais como relação afetiva, de declaração de posse, uma marca.Alguém se lembra de ter visto muitos CDs com declarações, datas de compra ou mesmo nomes?
O impensável se fez real com o MP3, que é virtual, portanto não tem existência real. E é impossível qualquer relação afetiva com algo meramente virtual, que pode ser descartado a fim de se liberar espaço no tocador. Transfere-se um arquivo do computador para o celular ou para um tocador e dele para o aparelho de som do automóvel sem sequer tocar nele. Seu melhor destino é “queimar”uma mídia. O termo queimar é significativo do pouco apreço pelo meio físico sem cara definida.

A Fotografia
Talvez o caso mais interessante (pela naturalidade com que foi aceito) é o da fotografia.
Assim como houve uma perda gradual de qualidade sonora do vinil em direção ao MP3 sem que ninguém se importasse com isso, com a fotografia aconteceu o mesmo.
E mais uma vez o ritual cede lugar ao prático. Antes havia o processo de colocação do filme e a posterior revelação, que levava de um a dois dias. Mas o principal era o fator limitador do número de fotos contidas no filme (12,24 ou 36) que, em virtude do preço da revelação, fazia com que só fossem batidas as fotos consideradas de certa forma importantes ou interessantes. Ou seja, o momento retratado (mesmo que banal) era aquele que tinha alguma relevância emocional para quem fotografava . Não surpreende ninguém dizer que,com a quantidade gigantesca de fotos tirada num só dia numa máquina digital, todas elas tenham seu valor diluído.
As fotos são “assistidas”, seja lado a lado (minúsculas) nos álbuns virtuais ou passadas em velocidade na telada TV.
Assim que passaram pela tela elas deixam de existir. Nossas memórias são, por assim dizer, apenas fantasmas, afinal não se toca mais nelas tanto quanto não se toca mais nos discos.
Essa “desmaterialização” é parte de uma cultura radicalmente individualista sobre a qual eu vou me deter mais cuidadosamente quando tratar dos filmes Wall-E, Pulse e Fim dos Dias.
Já o pouco valor sentimental que damos às fotos e músicas virtuais pode ser entendido como decorrência de uma sociedade imediatista, de satisfação imediata das necessidades, o que implica numa aceleração geral (e no individualismo). Toda atividade contemplativa é ferida de morte nesta sociedade, que tem pouco tempo para “jogar fora”. Indico um texto Alpharrabio é também livraria postado no blog do Espaço Cultural Alpharrabio, escrito pela poeta e livreira Dalila Teles Veras , disponível em http://blog.alpharrabio.com.br/
Veras fala sobre a necessidade da contemplação, de se perder tempo dentro de um sebo e se deixar levar pelos livros, de deixar que eles o seduzam ao invés de ir a uma livraria buscar algo que se precise, simplesmente.
É este perder-se (com a experiência musical, fotográfica, literária) que nossa sociedade precisa reencontrar.

2 comentários:

Mário disse...

fato; optamos pela praticidade e variedade em detrimento a qualidade. eu baixei o ultimo disco do bruce springsteen ; que deve estar saindo nos estados unidos nessa semana , em DOIS minutos. Lembro até com certa saudade de ir nas lojas de cd e comprar UM cd com o dinheiro economizado do lanche da escola, de condução, de troco de paozinho. Evidente, e valho de um cliche ridiculo aqui, quem nao trabalha nao aprende a ter valor pelas coisas. O que é mais "digno" ( e falo de uma forma maniqueista e simploria) , vc ir de lugar em lugar, negociando com lojista, tomando chuva, andando uns pedações a pé pq gastou mais do que devia, e assim comprar os dez ou doze discos de estudio dos beatles, ou baixar tudo em menos de uma hora??
A qualidade é pifia tambem, ta certo, deve melhorar com os meses ou com o que qualquer japones punheteiro inventar, mas é complicado ver camadas e camadas de som reduzidas a nada.... é o ato de apreciar a musica ao minimo do minimo possivel.
Pra acabar de matar, jazz em MP3 com foninho de ouvido do mais vagabundo.....

Daniel Luppi disse...

Disse tudo. Eu ainda faço questão do CD original (obra completa pra mim tem que ter capa e encarte), mas sinto que até mesmo os artistas atuais se perderam nesse conceito. Não há mais uma unidade, seja apenas histórica ou mesmo musical, em cada novo cd lançado. Apenas um amontoado de músicas, sem necessariamente um elo entre elas. Reflexo do público, penso eu, que não busca um CD, mas uma música, e a baixa diretamente na net.
E a banalização das imagens! Máquina digital tem vantagens, e muitas. Mas é inegável que se banalizou os momentos fotografados. E ninguem se da conta disso. Bom, quase ninguem...