segunda-feira, 8 de março de 2010

O CORTIÇO DE SÉRGIO BIANCHI


“Os Inquilinos” poderia ter sido “só” um filme sobre o impacto psicológico dos ataques do PCC à cidade de São Paulo em 2006 na população da periferia paulistana. Mas não, a mania de polemista de Sérgio Bianchi (Cronicamente Inviável,Quanto Vale ou é por Quilo) chegou agora ao nível de um chiste incontrolável, coisa de garoto birrento. Ele precisa apontar o dedo contra todos e, custe o que custar, e apontar culpados, identificar causas. Em Inquilinos temos uma família de periferia que recebe um grupo de rapazes bastante suspeitos como novos vizinhos. Barulhentos, desempregados, agressivos, tiram a paz do núcleo familiar composto por pai branco, mãe negra e duas crianças mulatas( o brasileiro típico). Em princípio tudo vai bem, pois temos uma visão talvez distorcida deste pai da família assustado em relação a pessoas que podem,ou não serem bandidos, bem como delírios de homem ameaçado em sua masculinidade (ele imagina sua mulher se insinuando para os rapazes, fortes,viris). Mas eis que Bianchi,o onisciente, decide fazer um tratado sobre a vida na periferia e desanda a apontar culpas da maneira mais simplista ,moralista,elitista e grosseira possível. Tem a sexualização das meninas pela axé music (essa música de mau gosto as torna pequenas prostitutas !) o pai que, covarde, não tem peito para exigir trabalho com carteira assinada (quando qualquer um sabe que o maior ameaçado nessa situação é o patrão,não o empregado), o povo que se engana com as balinhas dadas às crianças pelos bandidos, (ausência do estado? Nem se fala, a culpa é desse povo ignorante iludidos como índios pelos colonizadores) a mãe que fala errado e fuma o tempo todo dentro de casa, na frente das crianças e, por fim, a novela ,essa diversão popularesca e de mau-gosto (como a axé music!) com suas cenas quase pornográficas que corrompem as crianças.
Vítimas acéfalas, gente desprezível que merece o inferno em que vive, essa é a periferia de Sérgio Bianchi, que retorna aos valores naturalistas de um Aluízio de Azevedo para construir uma obra que, no entanto, só compartilha os preconceitos de O Cortiço, mas nada de sua grandeza artística.
Não fosse por nada disso, ainda poderia se criticar o fato de que as pessoas no filme não falam, não se portam,não vivem como na periferia real mas sim naquela vista pelos olhos preconceituosos da classe média alta (aí outra diferença com o caráter quase documental de O Cortiço). Quem quiser comprovar, basta assistir a “Linha de Passe”, de Walter Salles ou mesmo ao impressionante filme francês “Khamsa”,de Karin Didi , onde existem problemas estritamente franceses (a imigração e a relação e convivência entre os imigrantes) mas também outros universais como a pobreza, a marginalidade, e o crime e sua influência sobre as crianças. A diferença é que aqui é tudo infinitamente mais complexo e encantador do que no mundo de Sérgio Bianchi.

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