terça-feira, 23 de março de 2010

FAZENDO JUSTIÇA A AVATAR, UM WESTERN INCOMPREENDIDO - 3


UM FAROESTE NO SENTIDO CONTRÁRIO


Não é preciso muito esforço para classificar Avatar como um Western. Este gênero cuja origem remonta ao início do século 20 (fala-se em 1903) é conhecido como o mito fundador da nação norte-americana porque transforma um momento histórico que lhe era muito próximo (a conquista do Oeste) em linguagem mitológica. Condensa assim a alma do norte-americano ao professar sua fé no valor supremo do indivíduo (que prevalece sobre o coletivo) da liberdade e na doutrina do Destino Manifesto (o norte-americano como destinado por Deus a herdar aquela terra, civilizá-la e fazê-la progredir).
Com certa recorrência temos quase todas essas situações (convenções) num mesmo western:

- A conquista territorial (conflito com índios ou mexicanos)
- A agricultura (praticada pelas pequenas famílias) ameaçada pela criação de gado(dos grandes proprietários)
- Harmonia com a natureza (a terra como lugar quase santo)
- O aventureiro errante (elogio da liberdade)
- A pureza da vida no campo em contraposição à decadência das cidades
- A corrida do ouro (a ganância tornando os homens violentos e impuros)
- A segunda chance (lá bandidos e assassinos tem sua oportunidade de redenção e iniciar uma nova vida)


Em comparação, vejamos o caso de Avatar:

- A conquista territorial (conflito entre humanos e os Na’Vi)
- Os grandes mercadores que buscam o metal ameaçam a tribo
- Harmonia com a natureza ( a terra santificada) existe somente em Pandora
- A pureza da vida em Pandora em oposição à decadência da vida na Terra
- A corrida pelo metal valioso faz dos terráqueos violentos e impuros
- A segunda chance (o soldado tem a oportunidade de abandonar sua missão destruidora e iniciar uma nova vida, em um novo corpo)



Se Avatar não é daqueles filmes que revolucionam um gênero (como foi, num momento “Rastros de Ódio” (1956), de John Ford e, depois, “Os Imperdoáveis”(1992), de Clint Eastwood), ele faz algo sutil que é inverter os papéis de seu gênero fazendo inclusive Jake Sully, o típico herói errante, entrar no corpo daquele que deveria ser seu inimigo, o que é um recado claro à nação norte-americana. Algo semelhante ao feito por Steven Spielberg em “ET-O Extraterrestre” que reconstruiu o tradicional filme de ficção científica, um gênero em que alienígena (o estrangeiro) era sempre representado como uma ameaça a ser combatida (identificado com os nazistas num primeiro momento e depois com os comunistas). Spielberg inverteu a situação e colocou essa criatura de aparência e hábitos estranhos na posição inversa, a de visitante incompreendido e ameaçado - premissa,aliás, que o torna hoje ainda mais atual do que em seu tempo.

continua

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