segunda-feira, 15 de junho de 2009

TV- FALSA LOURA


Se houvesse uma disputa oficial de segundo melhor filme brasileiro de 2008 ela seria acirradíssima e Falsa Loura, de Carlos Reichenbach, que o Canal Brasil exibe hoje, às 22h00, certamente estaria no páreo, junto de Cleópatra, de Julio Bressane e Encarnação do Demônio do Mojica. Isso ficou claro nas várias listas dos melhores e nas mostras retrospectivas (Cinesesc, Reserva Cultural, etc).
O melhor, incontestavelmente, foi Serras da Desordem, de Andrea Tonacci o que não diminui em nada a qualidade dos outros.
De todos esses,Falsa Loura é o mais acessível,mais palatável ao público, ainda que guarde uma certa dose de estranheza característica do cinema de Reichenbach(como a intromissão da leitura de textos clássicos, completamente descolados da narrativa).
Falsa Loura é um filme que expõe a atual sociedade onde uma espécie de manipulação publicitária da imagem tomou conta das relações pessoais, há e onde quem melhor manipula sua aparência exerce poder sobre os demais. Ou seja, um vício da política que se aplica à vida comum. Todos personagens, num certo grau, manipulam suas imagens a fim de construírem uma identidade .

É para melhor trabalhar essa idéia de manipulação da imagem que o diretor acumula diversos níveis de imagens construídas, a começar pela presença no elenco apresentadores que se travestem,como Léo Áquila e Mama Bruscheta, ou ainda de Suzana Alves, a ex-Tiazinha. Maurício Mattar usa outro nome, mas faz na verdade papel dele mesmo, ou de todos cantores românticos, com Fábio Jr ou Leonardo .
Personagens cujas aparências remetem imediatamente a um “arquétipo” cinematográfico forçam nosso juízo de valor ,melhor dizendo, é pela vestimenta e aparência deles que deduzimos seus passados ou ações meramente insinuadas. Para não estragar nada, resta só dizer que imediatamente “reconhecemos” um bandido e um gângster assim que os vemos em tela. Reichenbach coloca aí uma questão de maneira bem sutil por que sabe o que é que pensaremos, induzidos que somos pela imagem a que o cinema sempre recorre.Mas nos dá uma oportunidade de questioná-la. E há a construção da imagem dos próprios personagens durante a trama,que, aliás,dá nome ao filme; Silmara não é loura e isso terá um peso terrível para ela em dado momento.

No início, nos parece que tudo se trata de mais uma daquelas versões da gata borralheira, com a jovem operária Silmara (Rosane Mulholland), a falsa loura do título, transformando sua colega de trabalho Biducha (Djin Sganzerla), de “bruxinha”(esse é o apelido) numa mulher sedutora capaz de conquistar o homem que deseja, com direito até à manjada seqüência do “banho de loja” em ritmo de videoclipe, típico de comédia romântica. É o que prega, aliás, a sociedade de consumo: ao fazer uma operação plástica, usar a roupa adequada ou assumir a “postura” correta (e isso remete à chamada auto-ajuda) pode-se conquistar seus sonhos. O interesse constitui no desenrolar da trama, que, aliás, por si só daria um filme.
Silmara, já experimentada na construção de sua imagem, é quem “constrói” Biducha e ,portanto, manipula sua vida, exerce influência, poder. Seu pai,no entanto, ex- presidiário e com o rosto marcado por uma cicatriz, é vítima de sua aparência. O irmão de Silmara (Léo Áquila) é um travesti , ser de dupla identidade, manipulando-a a bel prazer e que por isso tem desenvoltura plena em dois mundos, masculino e feminino.

Há o salão de baile , o local onde se abandonam as vestes da firma e se apresentam essas novas imagens, maquiadas, construídas com o banho de loja e é também onde Silmara entrará em contato com o mundo da Imagem por excelência, o palco. É lá que conhece e encanta o rock star Bruno de André (Cauã Reymond). Se na fábrica ou na pista de dança Silmara tinha desenvoltura invejável, aqui ela se encanta pela imagem do astro pop (rebeldia, liberdade, sexualidade) e se deixará seduzir. Será ,portanto, manipulada por ele. É significativo o momento em que retorna à fabrica e diz em alto e bom som para as amigas que ele é o homem mais gentil, sexy e bem dotado do planeta, por que sabe que é isso que as colegas querem ouvir.
Silmara irá além. Decepcionada com o roqueiro, ela parte em busca não mais do mito sexual, mas do mito romântico (e o amor se presta a muito mais falsificações do que o sexo) e é quando irá parar nos braços de um ídolo da música romântica, interpretando(?) por Maurício Mattar. Surge aí um daqueles momentos de estranheza dos filmes de Reichenbach, pois irrompe um clipe romântico brega do qual Silmara participa. Se fosse preciso uma “explicação”, poderia se dizer que o diretor compartilha conosco o modo como ela enxerga o acontecimento.


Quando estiver despida de toda maquiagem, de toda postura artificialmente assumida, é que Silmara mostra que não é loura de fato. Completamente entregue, dominada e manipulada, terá seu rosto “ deformado”, “marcado” (quase como seu pai), numa inversão da típica cena de mulher vitoriosa(comum no cinema e na publicidade), que anda em direção à câmera e contra o vento . Não haverá então mais nada a dizer.
Falsa Loura tem reprise dia 20/06 às 23:00 no Canal Brasil

3 comentários:

João Bourbonnais disse...

Prezado Adilson,
muito interessante e procedente a tua crítica ao Falsa Loura, filme que me orgulho de ter feito.
Abraço,
João Bourbonnais (Antero, o pai da Falsa Loura)

Adilson Thieghi disse...

Passado os estágios do "é ele mesmo?" e do "como ele ficou sabendo?", só me resta dizer que é um orgulho imenso receber a visista do João Bourbonnais neste blog.Seu nome (assim como de outros atores e personagens)não consta do texto desleixado, feito de memória (não havia revisto o filme até ontem à noite) e às pressas para aproveitar a exibição na TV. Mas creio que a idéia básica foi transmitida.
E fica aqui um orgulhoso muito obrigado pela visita do "Antero".

João Bourbonnais disse...

Foi um prazer, Adilson. Aproveito para convidar você e seus leitores para as reestreias dos dois espetáculos da companhia que participo, Cândida e Senhora dos Afogados, ambas a partir de 3 de julho, no Teatro Sergio Cardoso, aqui em São Paulo. mais informações no meu blog. Seja bem vindo e por favor nos ajude a divulgar.
Grande abraço,
João.