quinta-feira, 25 de junho de 2009

O MÉDICO E O MONSTRO




Ontem, após indiciamento do médico Roger Abdelmassih pela justiça, ressuscitou na imprensa o caso do especialista em reprodução humana acusado de molestar sexualmente várias de suas pacientes. O número de acusações variava de emissora para emissora;ora eram 60,ora 70. Nos jornais impressos, a notícia correu o país,na internet, claro, se espalhou como vírus.
Não é a intenção deste texto acusar ou defender Abdelmassih;para defendê-lo há seu advogado, para acusá-lo, já existe a TV e todo o resto da blogosfera.
Se ele praticou tais atos ou não, fica a cargo da justiça dizer. O que não impede a repercussão da coisa toda,claro.Uma tia minha com aguçado senso de humor disse que finalmente havia descoberto o pai dos filhos do apresentador Augusto Liberato, o Gugu,numa alusão ao boato que dá conta de sua suposta homossexualidade, explorada inclusive pelos humoristas do Pânico, com o personagem Glu-Glu. Genial.
O que interessa aqui, de fato, é o tratamento da imprensa em casos de linchamento moral,como este. Foi destaque o fato do médico ter ouvido calado sua intimação,como se isso fosse crime. Não é. Aliás, é um direito. Também foi dado como atestado de culpa o fato dele ter saído pelos fundos da delegacia. Não é crime recusar-se a dar entrevista.
Mas um caso em particular se destaca,como sempre. É José Luis Datena e seu grotesco “Brasil Urgente”, que não perde a oportunidade diária de fazer sua farra do boi com o estardalhaço de um Boi Bumbá por cima de cadáveres insepultos.
A receita de Datena é simples: ele diz apenas aquilo que seu espectador médio pensa, fazendo uso do senso comum; para ele, investigar, dar uma chance à dúvida está fora de questão pois isso enfraqueceria seu caráter de justiceiro. Aliás, a analogia com o personagem da Marvel Comics é interessante. Geraldinho Vieira em seu livro “Complexo de Clark Kent” (Summus Editorial,1991)ensina que a maior tentação do jornalista é a de fazer justiça, de achar que sua profissão o capacita a ser um super-herói. “ O poder da palavra,da imagem,da seleção dos fatos,e de sua multiplicação cria a ilusão do repórter super-homem,como,a começar pela tradicional história em quadrinhos,foi tantas vezes utilizada pela ficção”, diz, e completa a ficção coloriu uma profissão onde o dia-a-dia é uma maravilhosa aventura no combate aos males sociais e na procura da verdade,onde as portas parecem abertas a toda sorte de liberdade,da manipulação da realidade ao acesso e divulgação da informação”.
. Quem vê a si mesmo como herói e enxerga o mundo através de simples antagonismos, exime-se da dúvida no exercíio de suia profissão, fundamental no jornalismo. Datena parece ver a si mesmo como o personagem da Marvel que surgiu como um vilão nas histórias do Homem Aranha, mais foi alçado a herói a medida que o radicalismo de direita progredia nos EUA.Justiceiro(Punisher,no original) não é como os outros heróis, ele não dá socos e prende os vilões, mas os fuzila sem piedade. Ele pune(o nome em inglês é melhor por que exclui a noção de justiça) aqueles que considera errados, aqueles cuja conduta não está de acordo com seu código facista de moral. A HQ, e os filmes, mostram,claro, que ele está sempre certo. Datena é o mesmo caso. Para ele não basta acusar, é preciso agredir,destruir. Pouca gente se lembra, mas foi dessa maneira que ele procedeu quando surgiu uma denúncia de que uma jovem mãe colocava cocaína na mamadeira de seu filho(ou filha, não me recordo bem). Ela foi presa sob a fúria televisiva típica e,na cadeia, teve seu tímpano perfurado por uma caneta enfiada por uma outra detenta, indignada com a história.A moça, depois ficou provado era inocente e não havia cocaína alguma na história, e sim uma tipo de farináceo e uma denúncia falsa.
Datena,claro, nunca se retratou na TV. Pergunte a qualquer pessoa que assiste o Brasil Urgente o que pensa do apresentador e você terá, quase sempre, a mesma resposta: “ele fala verdade, doa a quem doer”. O conceito de verdade (junto de uma busca por “restabelecer a moral) é sempre a justificativa para todo tipo de atrocidade, seja um ataque terrorista , seja um golpe ditatorial. A dor, nesses casos, é um “mal necessário”.
Todo esse falatório serve apenas para retornar ao primeiro parágrafo, à reportagem sobre o indiciamento do Dr Roger Abdelmassih. Sendo ele pai dos filhos do Gugu ou não(parabéns, Tia!) uma reportagem deveria ter dado espaço para o advogado do médico falar. Não durou mais do que dez segundos seu pronunciamento(isso numa matéria de vários minutos),que estava lá apenas por precaução jurídica. Todo o resto foi acusação. Justa ou injusta, não interessa. Apareceu uma testemunha ex-funcionária da clínica que, segundo o repórter Marcio Campos “não tinha nada a esconder”, mas que estranhamente escondia o rosto. O repórter apresentava como verdade sua acusação, sem questionamento algum, nem mesmo quando ela afirmava ter ficado psicologicamente abalada com o que teria visto e por isso não conseguir trabalhar mais em lugar nenhum. Aliás, o verbo no condicional não era uilizado em momento algum por Marcio Campos.
Já Datena dizia que, caso ele tenha cometido o crime, mereceria ser “execrado pela sociedade”. O verbo no condicional aqui é mero ardil jurídico, afinal ele mesmo já execrava o médico, até porque dizia , exasperado : “você chega lá na esperança de te um filho e esse sujeito faz o que?”.
Datena bate prende e julga e executa, tudo com o discurso de que age em defesa do “povo”. É o que faz o Justiceiro, é o que fez o exército brasileiro em 1964, é o que fez Fidel Castro.
Isso é monstruoso.



!!!



É preciso dizer que os pré-julgamentos não são sempre acusatórios, basta lembrar do caso Eloá, em que jornalistas, quase em uníssono, cantavam em verso e prosa como o jovem Lindenberg era decente, estudioso e trabalhador e ofereciam a ele adulações de todo tipo, até que ele se transformasse numa sofrida celebridade. Ao final, todos sabemos, a morte da refém e o constrangimento midiático. Só então passou a encontrar pessoas que faziam a ligação do passado do rapaz com criminosos. Ao partirem de uma certeza, de uma verdade, chegaram a um beco sem saída. E o motivo mais forte(senão o único) que impediu o comandante da operação de utilizar os atiradores de elite, era a imagem do jovem como inocente trabalhador. Tivesse ele ordenado o tiro, teria sido crucificado como monstro. Como não fez, foi acusado de permitir a morte da jovem Eloá.

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