quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

TV- BLOW-UP


O canal TCM tem renovado seu acervo de filmes e caprichado na programação. Hoje, por exemplo, às 22 h exibe o incontornável Blow-Up- Depois daquele Beijo (1966 – 88 min.), de Michelangelo Antonioni. Filme chave da modernidade do cinema, Blow-Up dialoga tanto com as conquistas da nouvelle-vage quanto com uma obra prima (uma das) de Alfred Hitchcock, Janela Indiscreta, a fim de pensar o cinema, a imagem cinematográfica e seu contato com o público. A história em si é um thriller simples com um fotógrafo de moda que acredita ter acidentalmente, flagrado um crime com sua câmera. Mas é mais do que isso.
É esse pensamento, próprio dos anos 1960, que permite que existam filmes hoje como Hotel Atlântico, Abraços Partidos ou mesmo um diretor como Quentin Tarantino. Ou seja, é um pensar o cinema e levar o público a ter uma relação diferente com o filme que não apenas a de apreciar a história. Não há em Blow Up uma postura de quem tem fé no cinema como arte capaz de catar o real (volto a esse tema em breve), crença que nasce com a fotografia. Bem, mas isso Hitchcock já tinha feito em Vertigo e também em Janela Indiscreta. Quem assistiu lembra da cena da montagem das fotos (que foi recriada com muita inventividade primeiro em Blow Out- Um tiro na noite, de Brian de Palma e depois em Meu Tio Matou um Cara, do Jorge Furtado) . Lá a cada vez que se mexe na ordem das fotos tiradas pelo personagem de James Stewart enquanto bisbilhota o vizinho suspeito de matar a esposa cria histórias diferentes, possibilidades diferentes e, mais ainda, significados diferentes. Ou seja, uma hiostória existe a parir do momento em que se articula uma série de imagens. Elas, por si, não contém um significado fechado, correspondente da realidade.
Em Blow Up esta cena é recriada de outra maneira, o fotógrafo busca também na imagem a verdade para um crime, mas acredita tanto na foto como reprodução do real que passa a ampliá-la mais e mais em busca de algum detalhe revelador, que ele não encontra afinal, quando mais próximo da imagem, menor sua definição e maior a incerteza.
Se em Hitchcock a incerteza acaba em determinado momento em Blow-Up tudo é incerteza, desde o mistério da trama até as ações dos personagens e o tempo toma o lugar da ação, com personagens que vagueiam sem que isso necessariamente seja importante para op transcorrer da história. Antonioni faz isso para questionar a construção de um filme. Em qualquer manual de roteiro, dons muito bons aos muito ruins, recomenda-se não inserir nenhuma ação que não seja indispensável ao progresso da trama e nenhuma ação que não tenha um precedente. Ou seja, se um personagem demonstra ter uma habilidade surpreendente em determinado momento, essa habilidade deve ter sido explicada antes. De maneira semelhante, toda ação deve ter uma motivação, numa das convenções mais idiotas da dramaturgia, afinal, se tem algo que as pessoas são é incoerentes. Quantas vezes você já ouviu uma mãe dizer “eu pensei que conhecia meu filho” ou um marido dizer “e eu que pensei que conhecia essa desgraçada”. Ninguém no mundo age como uma molécula num tubo de ensaio, só mesmo no mundo do cinema. Por isso tudo, Blow Up é um filme estranho, de gosto amargo, principalmente para quem não é acostumado com a chamada modernidade do cinema (Goddart, Truffaut, Glauber Rocha, Nagisa Oshima, etc). Mas, principalmente para esses, é um desafio que deve ser encarado mas com isso em mente: um filme é uma mentira que se passa por verdade. Nada mais.

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