segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

ALAN RESNAIS 1 – AS ERVAS DANINHAS


Tudo o que escrevi a respeito de Blow-Up vale, de certa forma, para Ervas Daninhas, de Alan Resnais, pelo menos naquilo que toca à estranheza que o espectador possa sentir em relação ao filme. Nada surpreendente, afinal Resnais é daquela geração de modernizadores do cinema, que empreende uma revolução modo de se fazer essa arte que se torna parâmetro para tudo o que virá depois, coisa até então não vista desde Cidadão Kane. Embora não fosse da nouvelle vage (afinal seus membros eram críticos da revista Cahièrs du Cinema e tinham uma relação forte com o cinema norte-americano, em especial Hitchcock e Vincent Minneli), seu filme chave, Hiroshima Mon Amour é da mesma época (1960) e compartilha mais semelhanças do que diferenças com Goddart, Truffaut e cia. Vejamos o que disse Glauber Rocha num artigo publicado no Diário de Notícias de Salvador, em 2 de outubro de 1960 :

“Hiroshima deixa atordoado qualquer espectador que o veja pela primeira vez. E
só começamos a ‘descobrir’ o filme muito depois de te-lo visto. É um perigo ver
Hiroshima. Eu por exemplo,não tenho vergonha de confessar que assistir Hiroshima
foi uma das minhas maiores experiências humanas”.

Há diferenças entre o filme de 1960 e o de agora, claro. Mas ao que interessa ao espectador que nunca tomou contato com Resnais ou com o chamado cinema moderno (que é pra quem se destina esse texto) a experiência é a mesma. A chave para “entender” Ervas Daninhas é a da imprevisibilidade do desejo. É de paixão que fala o filme e, por acaso, existe algo mais imprevisível, incoerente do que uma paixão? Pois bem, a forma corresponde ao conteúdo e o filme é incoerente e cheio de situações absurdas, de arroubos, inclusive na “irrealidade” de alguns cenários, no uso da core, da luz, tudo nos entrega a um certo delírio. E como notou muito bem o Inácio Araújo, também tem uma ligação muito forte com o real, na forma da interpretação dos atores e de detalhes como a mulher que ao ver o telefone tocar insistentemente, diz “calma, já vou”. Coisa comum na vida real, mas raríssima no cinema (tem bastante disso em É Proibido Fumar). Esses dois pólos opostos coexistem talvez para nos mostrar o quanto uma vida ordinária de uma pessoa ordinária, pode se tornar absurda extra-ordinária quando se entrega a uma paixão, ou a mais de uma.
Ah, a história? Nem precisaria contar, afinal não é uma trama que se desenvolve com começo, meio e fim e sim aos pedaços, com situações que, sim, umas desencadeiam as outras, mas sem essa relação de causa e efeito coerente do cinema tradicional, mas vamos lá: uma mulher a bolsa roubada, o ladrão pega o dinheiro e joga a carteira fora. Um senhor a encontra e fica imaginando quem é essa mulher. Não parece muito bonita pela foto, mas desperta seu interesse mesmo assim principalmente porque ele percebe que ela é aviadora (por algum documento que está lá). Devolve a carteira para a polícia e fica aguardando que ela o ligue em agradecimento, cria expectativas. E por aí vai, por caminhos tão estranhos quanto podem ser os de uma paixão.
O “segredo”para apreciar este filme é degusta-lo aos pedaços, ver a beleza de cada cena, de cada situação e se identificar com essas incoerências, não com os personagens ou a história. Aí você poderá dizer mais ou menos o que disse o Glauber. Na próxima postagem, outro filme de Resnais em cartaz, Medos Privados em Lugares Públicos.

Ervas Daninhas (Les Herbes Folles) tem 104 min. E está em cartaz nos cinemas :
UOL Lumière(Sala2) às 14h, 16h10 e 18h20, Espaço Unibanco Augusta(Sala5) às 14h, 16h e 22h, no HSBC Belas Artes(Sala Aleijadinho) às14h10, 16h10, 18h20 e 20h30 e no Reserva Cultural(Sala2) às 13h10, 15h10, 19h15 e 21h20.

Um comentário:

Daniel Luppi disse...

Perfeita descriçao do longa. Excelente filme.