Walt Kowalski é um veterano da Guerra da Coréia cujo temperamento intratável o afasta do convívio com os filhos. Viúvo, tem por companhia apenas uma cadela (também envelhecida), os vizinhos da etnia Hmong, a quem despreza e uma orgulhosa bandeira norte-americana na sacada onde, sentado numa cadeira de balanço, olha desgostoso para a rua.
Na garagem, um Gran Torino 1972, fabricação Ford, grande, elegante e de motor poderoso. É retrato de um tempo diferente, não só para a indústria automobilística quanto para a sociedade como um todo. De lá para cá a globalização reorganizou as forças no cenário internacional (a ponto da China cobrar as dívidas estadunidenses!) e as montadoras norte-americanas e européias não só perderam espaço como se mostraram obsoletas perante as asiáticas. A atual crise econômica só escancarou o que já era óbvio há bastante tempo. Os Hmongs, significativamente, são oriundos de uma região entre a China e a Tailândia,uma etnia sem pátria definida, portanto.
A xenofobia está diretamente relacionada, não só ao contato crescente e incontornável com o estrangeiro(o G8 cede cada vez mais espaço ao G20) mas também – e até por isso- à noção de identidade, que cada vez mais torna-se uma abstração
Não é de se espantar que cada um na vizinhança de Kowalski ,sejam eles latinos, asiáticos, negros ou brancos (caso dele próprio) defenda sua identidade da maneira mais radical possível, ou seja, com armas. Frente à inevitável descaraterização, radicalismo e violência como forma de defesa.
Durante esse embate velho contra-jovens, veterano contra gangues, moinho contra bandido somos em determinado momento levados a embarcar naquele cinema policial dos anos 70,das séries “Desejo de Matar” (com Charles Bronson) e “Dirty Harry” (com o próprio Clint) , em que o espectador compartilha a sede de vingança do policial e triunfa com ele. Mas Gran Torino não compactua com as certezas ingênuas e violentas daquele tempo em que o inimigo era facilmente identificado e merecia punição. Se então tudo se resolvia com socos, pontapés e o aperto de um gatilho, hoje ,após o fiasco de oito anos de uma política externa beligerante, Clint deixa claro que isso só traz mais problemas e mais violência.
Não há mais volta, os vizinhos são Hmongs, os médicos são indianos, os atendentes muçulmanos e por aí vai. A moral do enfrentamento torna-se tão absurda quanto as piadas xenófobas de Walt, que acabam provocando risos.
O filme significativamente começa com um enterro e um batizado. Que as armas fiquem no passado, nos diz Clint Eastwood.
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Na garagem, um Gran Torino 1972, fabricação Ford, grande, elegante e de motor poderoso. É retrato de um tempo diferente, não só para a indústria automobilística quanto para a sociedade como um todo. De lá para cá a globalização reorganizou as forças no cenário internacional (a ponto da China cobrar as dívidas estadunidenses!) e as montadoras norte-americanas e européias não só perderam espaço como se mostraram obsoletas perante as asiáticas. A atual crise econômica só escancarou o que já era óbvio há bastante tempo. Os Hmongs, significativamente, são oriundos de uma região entre a China e a Tailândia,uma etnia sem pátria definida, portanto.
A xenofobia está diretamente relacionada, não só ao contato crescente e incontornável com o estrangeiro(o G8 cede cada vez mais espaço ao G20) mas também – e até por isso- à noção de identidade, que cada vez mais torna-se uma abstração
Não é de se espantar que cada um na vizinhança de Kowalski ,sejam eles latinos, asiáticos, negros ou brancos (caso dele próprio) defenda sua identidade da maneira mais radical possível, ou seja, com armas. Frente à inevitável descaraterização, radicalismo e violência como forma de defesa.
Durante esse embate velho contra-jovens, veterano contra gangues, moinho contra bandido somos em determinado momento levados a embarcar naquele cinema policial dos anos 70,das séries “Desejo de Matar” (com Charles Bronson) e “Dirty Harry” (com o próprio Clint) , em que o espectador compartilha a sede de vingança do policial e triunfa com ele. Mas Gran Torino não compactua com as certezas ingênuas e violentas daquele tempo em que o inimigo era facilmente identificado e merecia punição. Se então tudo se resolvia com socos, pontapés e o aperto de um gatilho, hoje ,após o fiasco de oito anos de uma política externa beligerante, Clint deixa claro que isso só traz mais problemas e mais violência.
Não há mais volta, os vizinhos são Hmongs, os médicos são indianos, os atendentes muçulmanos e por aí vai. A moral do enfrentamento torna-se tão absurda quanto as piadas xenófobas de Walt, que acabam provocando risos.
O filme significativamente começa com um enterro e um batizado. Que as armas fiquem no passado, nos diz Clint Eastwood.
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Na próxima sexta tratarei da situação dos EUA nos anos 1970 e como isso se traduziu na violência justiceira do cinema(Dirty Harry incluso) e seu reflexo na graphic novel O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, um autor, a propósito, que não cansa de afirmar sua fé na violência como forma de resolução de conflitos.
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Ao contrário do que se falou por aí, Walt Kowalski não é um Dirty Harry. Ele está muito mais próximo de Willian Muny,o pistoleiro “assassino de mulheres e crianças” de Os Imperdoáveis (1992), que ele mesmo dirigiu. Lá ele invertia os códigos do western(o bandido era o xerife) e mostrava, o quanto o herói deste gênero não tem nada de heróico. E sendo o western a mitologia de formação dos EUA como nação, ele varre para fora do tapete toda a violenta de seu heroísmo, exatamente como Walt Kowalski, que se envergonha da medalha ganha na Coréia. A construção da imagem do heroísmo com outros fins está também expressa em A Conquista da Honra(2006), que conta o destino dos soldados que posaram para a emblemática foto que se tornaria propaganda da entrada triunfante dos EUA na segunda Guerra Mundial. Já a tentativa -que perpassa todo Gran Torino- de compreender o Outro, tradicionalmente entendido como “inimigo”, está em Cartas de Iwo Jima(2006), que mostra o outro lado desta história, o dos japoneses que defendiam sua ilha da invasão norte-americana.
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É curioso notar o quanto o trailer do filme nos fazia acreditar numa típica história “velho durão enfrenta jovens petulantes e sai vitorioso”. Quem acreditou nisso comprou lebre por gato. Ainda bem.
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Num outro cenário, em 1992, Will Eisner escreveu e desenhou a graphic novel Avenida Dropsie para entender a gênese daquilo que Gran Torino nos mostra: difícil (e inevitável) coexistência de culturas diferentes num mesmo local. À vizinhança primeiro chegam os irlandeses e judeus, depois os italianos, os negros e por fim os latinos. Cada um que chega é hostilizado pelos predecessores, que vêm nos seus hábitos e cultura uma afronta ao costumes dos moradores do bairro.
2 comentários:
é de se admirar que alguem abertamente republicano e direitista seja capaz de propor discussoes, e criar meaculpas tao contundentes quanto Clint. Os Imperdoaveis pra mim pelo menos, nao deixa de ser uma metafora sobre a vida... tipo pode escolher qualquer caminho, mas alguns deles são invariavelmente falhos e voce vai acabar se dando mal duma maneira irrefutavel. As Pontes de Madson ( talvez o grande filme de amor dos ultimos 20 anos), é a prova de que se doar, amar, querer entrar na pele daquele que se ama pra evitar qualquer sofrimento não é o bastante... acontece se for pra acontecer e ponto. Sobre Meninos e Lobos, um jogo da dualidade sobre o que é ser mais criminoso , ser um pedofilo ou querer fazer justiça pelas proprias maos... ou seja, nao tem um filme dele que nao te faça pensar por uns bons tempos, e nada mal vindo de um velho de direita.
Muito bom texto! sensacional!
E melhor ainda o link q vc faz com "Avenida Dropsie". Grande Sacada!
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