terça-feira, 14 de abril de 2009

BLOG DO INÁCIO ARAÚJO

Este é um texto extraído do blog Cinema de boca em boca, do crítico da Folha de São Paulo Inácio Araújo e que foi postado no dia 20 do mês passado. Nele o crítico busca compreender os motivos que levam a um fenômeno facilmente visto fora do circuito dos Cinemarks da vida, o sujeito largar um filme antes do final.
Para quem não conhece o blog , o endereço é http://inacio-a.blog.uol.com.br/
Quando você sai do cinema?

Espero não estragar a pauta da "Zero Hora", que achei oportuníssima.
O repórter, Gustavo, me perguntou: por que as pessoas saem do cinema no meio do filme?
O caso atual era do filme do Laurent Cantet, "Entre os Muros da Escola".
A pergunta dele foi: você já saiu do cinema
?
Sim, várias vezes. Me lembro que uma vez fui ao cinema com o Jairo Ferreira. O filme tinha começado há dez minutos e ele, inquieto, falou pra gente ir embora. "Mas Jairo, eu ponderei, a gente acabou de comprar a entrada". "Então, ele respondeu na lata, eu já perdi meu dinheiro, não vou perder meu tempo".
Me parece, isso que eu disse ao Gustavo, que a pessoa sai do cinema por duas razões: ou porque o repertório lhe parece muito batido ou porque ele se sente perdido diante do que vê. São espectadores diferentes.
Fazendo uma comparação provavelmente ruim, eu disse que quem só ouve pagode, quando escuta Beethoven aquilo lhe parece inaudível. Do mesmo modo, quem escuta Beethoven o tempo todo não vê no pagode senão cacofonia.
A comparação é ruim porque desfaz do pagode, que eu não conheço, não sei se é bom ou ruim (e também não conheço Beethoven tanto assim, ninguém pense).
Mas poderia ser outra: quem gosta de ler, digamos, um best-seller como "O Código Da Vinci" deve achar o Kafka uma chatice infinita, uma coisa em que não acontece nada. Ou quem curte poesia melosa não aguenta a música do Cartola. Etc.
Ocorre que tanto a literatura como a música (e mesmo o teatro) têm seus estatutos definidos; o cinema, não.
Me parece que, hoje, o cinema tornou-se uma diversão de fim de semana. Quem vai, depois de apanhar de segunda a sexta, quer um pouco de sossego, quer encontrar coisas estabelecidas, espiões que espionam, vilões que fazem vilanias, etc. e tal.
Então, quando a pessoa cai diante de um filme do Laurent Cantet, do Kiarostami, do Oliveira, do Godard, enfim.., ela não admite que, às vezes, é preciso um pouco de sacrifício para gostar de uma coisa
.
E que o cinema comercial, nas últimas décadas, nos acostumou com as "cócegas nos olhos", como alguém definiu, de tal modo que qualquer coisa que demora um pouco mais parece insuportável a quem se acostumou com isso.
Acrescente-se ainda: hoje a crítica está desmoralizada (vamos falar disso outro dia). Para que servem os críticos? Para nada: o que conta na distribuição do filme é a publicidade (sempre foi assim, mas antes havia certa convivência).
Então, o cara que vai ao cinema porque "Entre os Muros" ganhou a Palma de Ouro ou coisa assim acha que tem diversão garantida e ponto final. Mas se vê diante de um objeto estranho para ele. Para ele existe o mocinho, o bandido e um obstáculo no meio. Ali a coisa é um pouco mais complicada. Trata-se de compreender um mundo que mudou muito (o europeu, o francês mais especificamente) e que nós hoje mal conhecemos. Compreender mudanças a partir de uma escola, da diversidade de experiências contidas na sala de aula, à qual se acrescenta ainda outro elemento: a adolescência. Não há trama, praticamente, no sentido americano. O espectador não tem como se situar.
Que fazer para mudar isso? Não faço a menor idéia.
Entre os muros do meu curso (Cinema - História e Linguagem) aconteceu uma coisa que me parece sintomática. No primeiro ano que apresentei o "Deus e o Diabo" mostrei só a segunda parte, porque eu temia que os alunos odiassem aquilo. Ora, para minha surpresa eles sentiram falta do que eu não tinha mostrado. Então mudei isso. Imagino que isso tenha acontecido porque quando a pessoa é confrontada "a seco" a um filme como "Deus e o Diabo" tem a impressão de ter visto um disco voador ou coisa assim. Quando observa a história do cinema se organizar, uma coisa surgir da outra, as conversas, etc., então quando acontece um filme como esse, tudo faz todo sentido.

Um comentário:

Daniel Luppi disse...

Este texto é perfeito. Até já comentei sobre ele no Balaio.
Mais um ponto do Inácio.