terça-feira, 8 de setembro de 2009

O BEIJOQUEIRO E O ESTUPRADOR

Semana passada ganhou certo destaque no noticiário a prisão de um italiano por beijar na boca sua filha de 8 anos num praia cearense. O turista, cuja identidade permanece preservada, fora denunciado aos policiais por duas pessoas (de 70 e 75 anos) que se sentiram incomodadas com a cena e (provavelmente) acreditaram se tratar de um caso de pedofilia. A mãe da criança, que é brasileira, alegou que esta é uma prática comum entre os italianos. Pois bem, ao noticiário então. Para Sandra Annenberg, no Jornal Hoje de quinta feira(3), ele havia sido preso por dar uma “beijoca” na boca da criança. Para o portal G1l ”italiano é preso por beijar a filha na boca em barraca de praia no CE”. Para o Jornal da Band era “ato libidinoso”. Já Carla Vilhena disse na sexta-feira(4) no SPTV 1ª Edição que ele havia dado um “beijo, um selinho,uma bitoca” o que é “abuso sexual e pela nova lei é enquadrado como estupro”.
Tanto zelo com as palavras chega a impressionar, principalmente quando comparado com outro caso onde a acusação recaía sobre o mesmo artigo do código penal, estupro. Quando o médico Roger Abdelmassih foi preso o trato da imprensa foi bem diferente. “Médico é preso acusado de 56 estupros”. Está correto. Pela nova lei que trata dos “Crimes contra a Dignidade Sexual” ,sancionada em 07 de agosto deste ano, todas acusações dirigidas a Abdelmassih são classificadas como estupro, tanto quanto a “bitoca” do alemão (estupro a vulnerável) - que aos olhos das testemunhas não parecia assim tão inocente. Mas não foi lembrado que, das 56 acusações feitas a Abdelmassih - houve mulheres que fizeram mais de uma acusação,daí o número ser maior que o de acusadoras,36 ou 39 dependendo de quem dá a notícia - “apenas” (aspas enormes aqui) duas se enquadrariam no que a lei anterior classificava como estupro, ou seja, a tal “conjunção carnal”.
Num caso, o do médico, os acusadores foram dignos da confiança absoluta dos jornalistas enquanto no outro, mereceram a mais completo descrédito. Se a Lei é a mesma para todos porque cabe aos jornalistas decidirem por um ou outro lado? Por que num caso é bitoca, ato libidinoso(que nem existe mais) e abuso sexual e noutro é estupro?
É até desnecessário frisar a diferença entre os casos e até bom que não se noticie “italiano preso por estuprar filha de 8 anos ”. É,aliás, função do jornalista esclarecer os fatos, mas isso não foi feito nem em um caso nem em outro. Mas no caso do médico, os jornalistas, certos da culpa, tomaram parte na condenação e não muniram o leitor/espectador de conhecimento suficiente para entender a lei e o processo. Já com o turista, inocentaram-no com veemência (chega a parecer que Carla Vilhena estava presente na hora da bitoca).
É certo que parece mesmo que Roger Abdelmassih é culpado e o italiano, inocente. Mas é sempre bom lembrar que entre o “parece” e o fato existe muitas vezes um abismo pra onde foram atirados muitos inocentes e de onde escaparam ilesos muitos culpados. E no fim, entre culpa e inocência cabe ao juiz decidir, não a nenhum jornalista.

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