É simplesmente imperdível Cleópatra, filme de Julio Bressane que o Canal Brasil exibe hoje às 22h. Tudo lá nos parece demasiadamente alienígena , do Egito de Motel ao figurino à Paixão de Cristo, passando pelo sotaque carioca de Miguel Falabela, que interpreta Julio César como se estivesse numa bizarra versão séria da sitcom Toma Lá da Cá. Também ao terreno do estranhamento pertence a Cleópatra de Alessandra Negrini, com sua voz irritante, que imita uma imitação de sotaque oriental.
Agora, como um filme em que tudo parece errado pode ser tão poderoso? Primeiro porque ele nos leva à pergunta: o que é este "certo" em cinema ? Da Cleópatra histórica pouquíssimo se sabe;o que conhecemos da rainha egípcia se deve muito mais ao cinema. Aliás o nosso imaginário em relação ao Egito é completamente hollywoodiano. E o que há de "correto" na Cleópatra vivida por Elizabeth Taylor no filme de 1963 dirigido por Joseph L.Mankiewicz ? Nada, tanto quanto na de Negrini, com a diferença que no primeiro caso temos um filme que faz força para nos fazer crer que aquilo é real para embararmos na cidade dos sonhos, para crermos que as coisas aconteceram daquele jeito de fato. Cleópatra, de Bressane aminha no sentido oposto;ao exagerar, distorcer evidenciar a farsa que é a enenação cinematográfica, nos lembra que o que vemos não é a História de Cleópatra, mas uma encenação, a nossa encenação . Por isso não tem o menor pudor em flertar com a TV nos cenários cafonas, no uso de atores globais e sua técnica de interpretação nem mesmo teme colocar as praias cariocas onde deveria estar o rio Nilo. O que nos leva a perguntar: que lugar é esse então ? As tramas palacianas, o séquito de poilíticos aduladores que,como gatos de rua, vão aonde obtêm mais vantagens, a manipulação pela imagem,o reino dos discursos que na prtática são outra coisa, tudo nos leva não ao Egito Antigo, mas sim à Brasília contemporânea.
Cleópatra de Mankiewicz, assim como Ben Hur(1959), de William Wiler ou Os Dez Mandamentos(1956) de Cecil B.DeMille, falava muito mais da sociedade norte-americana de seu tempo, de suas convicções e valores, do que propriamente do período histórico retratado. A Cleópatra de Bressane faz o mesmo, com a diferença de que não nos ilude quanto a suas intenções,pelo contrário, deixa isso bem claro.
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O filme é fortemente simbólico. A presença da água (seja em imagem, no som ou na evocativa fumaça azul que percorre o fundo vermelho abstrato), o uso consciente e sistemático das cores (azul e vermelho), o cenário, tudo busca uma evocação do sexo e do poder . Numa das sequências iniciais, Miguel Falabella aproxima-se tanto da câmera que só podemos ver as dobras de sua toga vermelha, na altura do peito. A imagem, que fica estática por quase dois minutos, enquanto ele continua seu diálogo com senadores romanos, evoca uma vagina. Ao fundo, o som de ondas no mar. Nesse intervalo tão pequeno entendemos o quanto ele é dominado por Cleópatra e o quanto de sexual existe na prática do poder. Pouco depois, outra imagem reforça ainda mais a idéia; uma mulher foalizada apenas entre o umbigo e o início das coxas, completamente depilada. Um giro de 180 graus e a imagem, de vagina passa a evocar uma pirâmide. A simbiose entre o sexo, o sagrago e o exercício do poder, tudo expresso num único e genial movimento de cãmera.
O filme é de 2008 feito , coincidentemente (ou não) num momento em que escândalos que derrubavam uns e abalavam outros em Brasília tinham origem na alcova das secretárias amantes que ouviam demais e recebiam de menos e acabavam nos jornais, nas CPIs e também na Playboy.
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E há também, é claro, Alessandra Negrini, uma das mulheres mais violentamente sexies deste país e capaz de exercer um efeito hipnótico de Cleópatra sobre qualquer homem. Para não esquecer jamais.
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O filme será reprisado dia 30(sábado) às 23h00
Um comentário:
Meu amigo, é só pra deixar registrado que continuo leitor assíduo deste blog, o problema é que sempre leio no trabalho e lá rola uma censura na internet, aí não posso comentar.
Um grande abraço.
Mandio
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