domingo, 27 de julho de 2008

MORTOS QUE VOLTAM À VIDA, LÁ E CÁ - PARTE 1

Mortos que levantam do túmulo numa espécie de semi-vida, os zumbis, são parte do folclore caribenho que tornaram-se tema muito caro ao cinema de horror norte-americano (e mundial) desde que, no turbulento ano de 1968, George Romero filmou o contracultural “A Noite dos Mortos-Vivos”. Este subgênero do terror foi à Itália, com Lucio Fulci (Holocausto Canibal) e tem até um exemplar sendo produzido neste momento aqui no Brasil, “Mangue Negro”, de Rodrigo Aragão.
George Romero retrabalhou a idéia original do morto ressuscitado pela magia vodu e lhe acrescentou algumas características que são repetidas até hoje, como a fome por cérebro e a o fato de que quem é mordido por um zumbi se torna um deles. A idéia do mal contagioso não é original (basta lembrar das lendas de lobisomens e vampiros) e expressa uma convicção que nasce com o crença mos rituais de bruxaria e nas lendas de íncubus e súcubus, que se deflagraram desde entre os sécs.14 e 15e tiveram vida mais longa nos países protestantes do que no resto da Europa, como nota Robert Muchembled em Uma História do Diabo (BomTexto, 2001).
Outra característica marcante dos filmes de zumbis é a perda da personalidade individual que se verifica quando alguém se torna um morto-vivo. Nisso, ela é inerentemente norte-americana, cujo maior pesadelo é a perda dos direitos individuais (“bandeira”dos pioneiros das treze colônias que deram origem ao país)daí seu horror a regimes totalitários e/ ou socializantes.A submissão completa do indivíduo a uma esfera maior e mais importante é para eles algo impensável.
Outro ponto de vista interessante quem nos trás é Roberto DaMatta em A Casa e a Rua (Rocco, 1997) DaMatta separa as sociedades em dois tipos básicos (com graus de variações, claro): as relacionais e as individualistas. A maneira como cada uma delas encara a morte é bastante diversa.
As chamadas sociedades individualistas (os EUA, por exemplo) tendem a pensar, discutir, filosofar a morte. Nas palavras do antropólogo, para eles “esquecer o morto é positivo, lembrar o morto é assumir uma espécie de sociabilidade patológica”. Já nas sociedades relacionais, que privilegiam as relações sociais em detrimento do indivíduo (Brasil incluso), temos o morto como alguém que deve ser lembrado, cultuado até. Mesmo após a morte, ele continua tendo um papel social. Muito significativa é a tradição (hoje em vias de desaparecimento) dos quartos cheios de retratos dos antepassados mortos. O morto, então, não é visto por nós como maligno,mas sim como alguém a quem se pede conselhos e que, por vezes, pode até vir “assombrar”, desde que tenha um motivo justo. Ao contrário, numa sociedade como a norte-americana (que leva ao extremo as características da sociedade individualista) o morto só pode ser visto como uma entidade maligna. E não são poucos os exemplos, os vampiros são mortos-vivos como tambémo são a múmia ou Fredy Krueger e Jason Voorhees.
Aqui no Brasil, o melhor exemplo está, claro, com o excepcional cineasta José Mojica Marins e seu personagem Zé do Caixão. Em À Meia Noite Levarei sua Alma, de 1964, vemos mortos que retornam à vida assombrando um pequena cidade. A procissão dos mortos (vista também em Pequenas Histórias, de Helvécio Ratton, ainda em cartaz)cumpre o dever de vingar as atrocidades cometidas por Zé do Caixão. Assustadores, perigosos, porém justos, os mortos-vivos brasileiros espelham perfeitamente a teoria de DaMatta e marcam a diferença de concepções entre nós e os norte-americanos.
Voltaremos ao tema.

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