sexta-feira, 6 de março de 2009

WILL EISNER E A REVOLUÇÃO NOS QUADRINHOS -2 AS MODERNIDADES NAS ARTES







A primeira fase da modernidade, em qualquer forma de arte, é uma revolução caracterizada por algum tipo de rompimento com a tradição em direção a uma aproximação da realidade, em detrimento de qualquer tipo de convenção ou idealização. Essa Realidade natural (por isso chamada de naturalismo) e quase sempre oposta à Verdade, expressão de uma verdade superior e inquestionável. Seria assim tanto na pintura como no cinema quando há rompimento com os temas e os gêneros e com as convenções próprias de cada arte. No entanto o que se quer fazer aqui é encontrar paralelismos, coincidências, precedentes, não uma relação direta do tipo a pintura que influenciou o cinema que influenciou os quadrinhos o que seria algo extremamente ingênuo.

Na Pintura
Na pintura há um rompimento com os Grandes Temas (Histórico, Alegoria, Sacro, Retrato, Paisagem , Natureza Morta) que eram hierarquizados (Histórico e Sacro tinham mais valor do que uma natureza morta, por exemplo) desde Aristóteles para seguir rumo a uma arte visual, sem embasamento filosófico.
Segue-se uma busca por retratar, com todo suor e rugas, as pessoas do povo, como fariam, por exemplo, Honoré de Daumier (1808-1879) e Goustave Courbet (1818-1877) que para Gombrich “não queria formosura, queria verdade”(A História da Arte- LTC)- verdade aqui no sentido de realismo. Giulio Carlo Argan diz que “Courbet quer viver realidade como ela é, nem bela nem feia”(Arte Moderna- Companhia das Letras).
Não há mais lugar, para estes artistas, para pose, linhas fluentes ou cores impressionantes. Tampouco para a grandiloqüência de herdeiros de Rafael, como Jean Domimique Ingres (1780-1867).
Baudelaire dizia, ao defender a pintura do aquarelista Constantine Guys (1805-1892 ) que “os planejamentos de Rubens ou Véronèse não nos ensinarão a fazer chamalote, cetim à rainha ou qualquer outro tecido de nossas fábricas(...)o tecido e a textura não são os mesmos que os da antiga Veneza”(Sobre a Modernidade - Paz e Terra), exaltando que os modelos acadêmicos era apenas convenções que, apesar da beleza do trabalho em que resultariam, eram incapazes de dar conta do mundo moderno,só acessível a esta nova geração de artistas que rompiam com a tradição.

No Cinema
No cinema dos anos 1950 foi o neo-realismo que co filmes como “Roma Cidade Aberta” (1945) ou “Alemanha Ano Zero”(1948), ambos de Roberto Rosselini, buscava através do uso do plano-sequência (cena sem cortes ou edição) restaurar a ambigüidade da imagem, uma vez que no cinema clássico o que era mostrado correspondia ao que era de fato, sem margem para dúvidas (por exemplo quanto ao caráter de um personagem, que era ou bom, ou mau). Nessa busca pelo Real, recusava-se a filmagem em estúdio, a iluminação artificial e as grandes narrativas (feitos grandiosos, por exemplo). Mais próximo do trabalho de Eisner, no entanto, está o moderno cinema norte-americano, de "Uma Rua Chamada Pecado" (1951) versão da peça Um Bonde Chamado Desejo, de Tenessee Willians dirigido por Elia Kazan ou "Juventude Transviada"(1955), de Nicholas Ray . Um Bonde... mostra também este universo de cortiços, de imigrantes, de paixões incontroláveis, violência e personagens humanos, demasiado humanos bem distante da classe-média harmoniosa até então reinante nas telas. Em Juventude... a imagem da família tal como retratada normalmente no cinema (como refúgio de paz e moralidade e espelho do Sonho Americano) é demolida e o abismo violento entre pais e filhos é escancarado.
Nestes filmes a tradicional oposição entre bem e mal desaparece junto da idéia de que existe um caminho desejável para todos (que era sempre apresentado sem questionamentos pelo cinema) para dar lugar à pluralidade de tipos humanos, de aspirações, de necessidades. Não há mais lugar para uma única Verdade aqui.
Aqui os personagens não são mais os do repertório cinematográfico clássico, não são mais “tipos” e sim pessoas.

Nos Quadrinhos
Will Eisner se tornou parte desta revolução ao romper com as convenções de gênero dos quadrinhos, ao adicionar complexidade e humanidade aos seus personagens e a despejá-los no mundo real, com problemas e dilemas reais ao mesmo tempo que abandona as grandes aventuras fantasiosas ou as histórias cômicas para se interessar pequenas histórias de pessoas anônimas, às quais alça ao patamar dos grandes dramas humanos.
Apesar de trazer para as HQs a pobreza, solidão e finais muitas vezes infelizes, Eisner guarda também alguma (contraditória?) semelhança com o cineasta Frank Capra (de "A Felicidade não se Compra" e "Aconteceu Naquela Noite" -1934) na medida em que tem uma fé inabalável na bondade humana, na possibilidade da redenção e vê o mundo com olhar não cruel, mas piedoso.

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Imagens :
Marlon Brando e Vivian Leight em "Uma Rua Chamada Pecado"; "Vagão de terceira classe", de Daumier; "O quebra-pedras", de Courbet.
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Usei o termo “modernidades”por que o conceito de modernidade é originalmente referido às artes plásticas e só pode ser tansposto para as outras artes(principalmente o cinema) de maneira problemática. Voltarei a este tema quando falar de Pós-modernidade e o cinema de Quentin Tarantino e Robert Rodrigues.

Um comentário:

Daniel Luppi disse...

Belo trabalho!
parabéns!