Em 1978, Will Eisner vira de cabeça para baixo o mundo dos quadrinhos com o lançamento do primeiro romance gráfico (graphic novel) “Um Contrato com Deus- e outras histórias de cortiço” (Devir), que formaria uma trilogia com “Força da Vida”, de 1988 e “Avenida Dropsie em 1995”. Nunca antes havia ocorrido aos quadrinhos se aproximarem tanto do mundo real, dos pobres, dos vitimados pela Grande Depressão, dos moradores de cortiço, enfim.
A nova empreitada de Eisner, que já havia alcançado a consagração com as aventuras do detetive Spirit, era marcada pela ousadia.
Contrato com Deus era um livro composto por quatro contos, só que desenhados, o que embaralhava de vez as fronteiras entre literatura e quadrinhos, até então restritos ou às tiras para jornais ou às revistas. Os contos, aliás, eram histórias passadas numa vizinhança pobre do Bronx, mas especificamente na Avenida Dropsie. Até então os quadrinhos eram, de modo geral, histórias aventurescas, fantasiosas ou cômicas (daí seu nome em inglês, comics). Havia também algum tipo de crônica de costumes, mas nada que se aproximasse da abordagem direta, sem desvios ou fabulações de nenhum tipo feita por Eisner.
A reviravolta de Contrato com Deus é uma chegada tardia dos quadrinhos à maturidade na única forma possível, o rompimento com a tradição e busca de alguma forma de “realismo”, numa guinada bastante semelhante à que representou Balzac (e de certa forma Stendhal) para a literatura.
Em História Social da Arte e da Literatura (Martins Fontes), Arnold Hauser nota que
“O naturalismo não tem por alvo a realidade como um todo, não a ‘natureza’ou a ‘vida’ em geral, mas aquela província de realidade que se tornou especificamente importante para essa geração. Stendhal e Balzac assumiram a tarefa de retratar a nova sociedade em mudança”.
Balzac, nos 80 romances que compõem a sua Comédia Humana ousa tratar do dinheiro, da ascensão social e das tórridas paixões, da realidade caótica da moderna Paris descrevendo, sem piedade ou maquiagem, ricos e pobres, exploradores e explorados.
“Somente o operário morre no hospital no fim do seu esgotamento físico, enquanto o pequeno-burguês persiste em viver e vive, nem que seja aparvalhado; o rosto cheio de rugas, aplastado, velho, sem brilho nos olhos nem firmeza nas pernas, arrastando-se com expressão idiota pelos bulevares” diz em Fisionomias Parisienses.
É exatamente esse espírito que percebemos em Contrato com Deus quando lemos histórias como a do Cantor de Rua, onde o belo rosto e a bela voz que lhe rendem algumas moedas pelas ruas dos cortiços escondem um alcoólatra violento e explorador de mulheres. Ou na d’O Zelador, alemão solitário que bota medo nos inquilinos, a quem vê com desprezo, mas que também deseja ardentemente uma pré-adolescente moradora do prédio de que cuida. Ela, por sua vez, oferece sua nudez em troca de algumas moedas. Os desdobramentos levam ao suicídio do zelador encarado com indiferença pela garotinha.
Não é drama, não há superseres, nem mesmo pode ser chamado de comics. É uma coisa nova, o romance gráfico e daí para diante os quadrinhos conhecem um novo rumo.
A nova empreitada de Eisner, que já havia alcançado a consagração com as aventuras do detetive Spirit, era marcada pela ousadia.
Contrato com Deus era um livro composto por quatro contos, só que desenhados, o que embaralhava de vez as fronteiras entre literatura e quadrinhos, até então restritos ou às tiras para jornais ou às revistas. Os contos, aliás, eram histórias passadas numa vizinhança pobre do Bronx, mas especificamente na Avenida Dropsie. Até então os quadrinhos eram, de modo geral, histórias aventurescas, fantasiosas ou cômicas (daí seu nome em inglês, comics). Havia também algum tipo de crônica de costumes, mas nada que se aproximasse da abordagem direta, sem desvios ou fabulações de nenhum tipo feita por Eisner.
A reviravolta de Contrato com Deus é uma chegada tardia dos quadrinhos à maturidade na única forma possível, o rompimento com a tradição e busca de alguma forma de “realismo”, numa guinada bastante semelhante à que representou Balzac (e de certa forma Stendhal) para a literatura.
Em História Social da Arte e da Literatura (Martins Fontes), Arnold Hauser nota que
“O naturalismo não tem por alvo a realidade como um todo, não a ‘natureza’ou a ‘vida’ em geral, mas aquela província de realidade que se tornou especificamente importante para essa geração. Stendhal e Balzac assumiram a tarefa de retratar a nova sociedade em mudança”.
Balzac, nos 80 romances que compõem a sua Comédia Humana ousa tratar do dinheiro, da ascensão social e das tórridas paixões, da realidade caótica da moderna Paris descrevendo, sem piedade ou maquiagem, ricos e pobres, exploradores e explorados.
“Somente o operário morre no hospital no fim do seu esgotamento físico, enquanto o pequeno-burguês persiste em viver e vive, nem que seja aparvalhado; o rosto cheio de rugas, aplastado, velho, sem brilho nos olhos nem firmeza nas pernas, arrastando-se com expressão idiota pelos bulevares” diz em Fisionomias Parisienses.
É exatamente esse espírito que percebemos em Contrato com Deus quando lemos histórias como a do Cantor de Rua, onde o belo rosto e a bela voz que lhe rendem algumas moedas pelas ruas dos cortiços escondem um alcoólatra violento e explorador de mulheres. Ou na d’O Zelador, alemão solitário que bota medo nos inquilinos, a quem vê com desprezo, mas que também deseja ardentemente uma pré-adolescente moradora do prédio de que cuida. Ela, por sua vez, oferece sua nudez em troca de algumas moedas. Os desdobramentos levam ao suicídio do zelador encarado com indiferença pela garotinha.
Não é drama, não há superseres, nem mesmo pode ser chamado de comics. É uma coisa nova, o romance gráfico e daí para diante os quadrinhos conhecem um novo rumo.
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