O Brasil mudou muito desde que Zé do Caixão fez suas últimas vítimas em Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1967). Enquanto o coveiro tinhoso penou 3 décadas trancado na Casa de Detenção (e mais uma num manicômio), o diretor José Mojica Marins viu tudo aquilo que sustentava seu personagem praticamente desaparecer.
Viu as antes abundantes salas de cinema de rua, que fizeram a glória de artistas populares como ele e Mazaroppi, desaparecerem para ressurgirem na forma de multiplexes, cobrando ingressos caros e trancadas em shoppings centers que cobram até pelo estacionamento. Se o cinema virou uma diversão elitista, o terror deixou de ser uma abstração, de ser uma idéia metaforizada na forma de monstros de cinema e chegou à porta de todos, ricos ou pobres, na forma da violência urbana. Aliás, o próprio país passou a ser predominantemente urbano, tornando os matutos que ele assombrava nos filmes anteriores, mera recordação.
Mudou também a religiosidade; a carolice católica das cidades pequenas, contra a qual Zé se batiacomendo carne de cordeiro na sexta feira santa, deu lugar ao tele-evangelismo e a um tipo de culto produto da sociedade do espetáculo, que se manifesta seja na forma dos “Shows da Fé” protestantes ou na das Showmissas carismáticas, onde se enfatiza a busca pelo felicidade, o sucesso e a realização pessoal.
Para piorar, aparentemente não havia mais nada que transgredir, afinal a transgressão virou norma; sexo , violência e bizarrices são trivialidades, atrações de todo dia nos Superpops da vida. Algo que seria impensável nos anos sessenta: a ausência de polêmica em torno da foto da revista Playboy na qual a atriz global Carol Castro aparece nua, usando como adereço apenas um crucifixo.
No âmbito econômico o Brasil deixou para trás o papel secundário de nação “terceiromundista” para adentrar o mundo globalizado como destaque entre os emergentes e assumir papel de destaque no mercado internacional. Até a dívida externa, que a crença popular dizia vir “desde os tempos de Don Pedro”, desapareceu e o Brasil passou de devedor a credor.
O país mudou mas Zé Mojica/Zé do Caixão não ficou indiferente a essas mudanças.
No filme, Zé do Caixão sai da prisão e vai para uma favela onde se depara com o terror nosso de cada dia (aquele que recheia os telejornais) e fica assustado.Vê policiais assassinando crianças e apavorando a população. Vê essa mesma população acomodada com a bandidagem. Vê a miséria que, ao contrário da dívida externa, não só não desapareceu como persiste sendo nossa maior vergonha.
Já Zé Mojica enfrentou outro desafio: conseguir filmar. Cinema é feito hoje basicamente com dinheiro oriundo de empresas que abatem este valor de impostos devidos ao governo. Quem decide qual filme vai receber a verba é normalmente um executivo da área de marketing, alguém que não necessariamente (na verdade quase nunca) entende de cinema. Sendo assim, têm muito mais possibilidade de viabilização os filmes mais alinhados ao que este pessoal entende por “bom gosto” ou que agreguem “prestígio” a suas empresas. Na hora de escolher entre um filme da Xuxa (ou qualquer um da GloboFilmes) e um terror de Zé do Caixão, por exemplo, a escolha (para eles) parecia óbvia e Mojica seguia sem filmar.
No entanto, contra todas os prognósticos, tudo o que parecia impossível aconteceu. O filme não só saiu como é transgressor até o osso. Mojica desrespeita todas as convenções (há personagens incoerentes, que são violentos mas também paspalhos e engraçados, colagens de clichês) e despeja violência na medida certa para afrontar o último bastião, o do bom gosto (do público, dos exibidores, dos financiadores). E por fim, tem a loucura visual: que poderia ser mais transgressor do que o embate Zé Celso- Zé do Caixão, sob um céu cor-de-laranja, entre pessoas que comem vísceras e o olhar impávido de uma morte pálida, anoréxica e fashion? Ainda somos violentos, egoístas e desiguais é o que nos diz as loucuras deste novo filme de Zé do Caixão. Apesar de todas as mudanças, o Brasil ainda é um horror!
Xxxxxxxxxx
O destaque do Brasil no mercado internacional tende a aumentar, principalmente com a crescente demanda por biocombustíveis e alimentos. No entanto, a despeito do destaque no cenário internacional, continuamos relegando a segundo plano os investimentos em educação (quase todos tem acesso a escolas, mas de péssima qualidade), artes (ainda privilégio de uma elite) e esporte (basta ver o pífio desempenho de nossos atletas em Pequim). Isso para não falar no vergonhoso sistema carcerário.
O Brasil entrou de fato na nova ordem mundial, só sua população é que ainda não. A este respeito, vale assistir o documentário “Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá”, dirigido por Sílvio Tendler (2007).
Viu as antes abundantes salas de cinema de rua, que fizeram a glória de artistas populares como ele e Mazaroppi, desaparecerem para ressurgirem na forma de multiplexes, cobrando ingressos caros e trancadas em shoppings centers que cobram até pelo estacionamento. Se o cinema virou uma diversão elitista, o terror deixou de ser uma abstração, de ser uma idéia metaforizada na forma de monstros de cinema e chegou à porta de todos, ricos ou pobres, na forma da violência urbana. Aliás, o próprio país passou a ser predominantemente urbano, tornando os matutos que ele assombrava nos filmes anteriores, mera recordação.
Mudou também a religiosidade; a carolice católica das cidades pequenas, contra a qual Zé se batiacomendo carne de cordeiro na sexta feira santa, deu lugar ao tele-evangelismo e a um tipo de culto produto da sociedade do espetáculo, que se manifesta seja na forma dos “Shows da Fé” protestantes ou na das Showmissas carismáticas, onde se enfatiza a busca pelo felicidade, o sucesso e a realização pessoal.
Para piorar, aparentemente não havia mais nada que transgredir, afinal a transgressão virou norma; sexo , violência e bizarrices são trivialidades, atrações de todo dia nos Superpops da vida. Algo que seria impensável nos anos sessenta: a ausência de polêmica em torno da foto da revista Playboy na qual a atriz global Carol Castro aparece nua, usando como adereço apenas um crucifixo.
No âmbito econômico o Brasil deixou para trás o papel secundário de nação “terceiromundista” para adentrar o mundo globalizado como destaque entre os emergentes e assumir papel de destaque no mercado internacional. Até a dívida externa, que a crença popular dizia vir “desde os tempos de Don Pedro”, desapareceu e o Brasil passou de devedor a credor.
O país mudou mas Zé Mojica/Zé do Caixão não ficou indiferente a essas mudanças.
No filme, Zé do Caixão sai da prisão e vai para uma favela onde se depara com o terror nosso de cada dia (aquele que recheia os telejornais) e fica assustado.Vê policiais assassinando crianças e apavorando a população. Vê essa mesma população acomodada com a bandidagem. Vê a miséria que, ao contrário da dívida externa, não só não desapareceu como persiste sendo nossa maior vergonha.
Já Zé Mojica enfrentou outro desafio: conseguir filmar. Cinema é feito hoje basicamente com dinheiro oriundo de empresas que abatem este valor de impostos devidos ao governo. Quem decide qual filme vai receber a verba é normalmente um executivo da área de marketing, alguém que não necessariamente (na verdade quase nunca) entende de cinema. Sendo assim, têm muito mais possibilidade de viabilização os filmes mais alinhados ao que este pessoal entende por “bom gosto” ou que agreguem “prestígio” a suas empresas. Na hora de escolher entre um filme da Xuxa (ou qualquer um da GloboFilmes) e um terror de Zé do Caixão, por exemplo, a escolha (para eles) parecia óbvia e Mojica seguia sem filmar.
No entanto, contra todas os prognósticos, tudo o que parecia impossível aconteceu. O filme não só saiu como é transgressor até o osso. Mojica desrespeita todas as convenções (há personagens incoerentes, que são violentos mas também paspalhos e engraçados, colagens de clichês) e despeja violência na medida certa para afrontar o último bastião, o do bom gosto (do público, dos exibidores, dos financiadores). E por fim, tem a loucura visual: que poderia ser mais transgressor do que o embate Zé Celso- Zé do Caixão, sob um céu cor-de-laranja, entre pessoas que comem vísceras e o olhar impávido de uma morte pálida, anoréxica e fashion? Ainda somos violentos, egoístas e desiguais é o que nos diz as loucuras deste novo filme de Zé do Caixão. Apesar de todas as mudanças, o Brasil ainda é um horror!
Xxxxxxxxxx
O destaque do Brasil no mercado internacional tende a aumentar, principalmente com a crescente demanda por biocombustíveis e alimentos. No entanto, a despeito do destaque no cenário internacional, continuamos relegando a segundo plano os investimentos em educação (quase todos tem acesso a escolas, mas de péssima qualidade), artes (ainda privilégio de uma elite) e esporte (basta ver o pífio desempenho de nossos atletas em Pequim). Isso para não falar no vergonhoso sistema carcerário.
O Brasil entrou de fato na nova ordem mundial, só sua população é que ainda não. A este respeito, vale assistir o documentário “Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá”, dirigido por Sílvio Tendler (2007).
3 comentários:
realmente como diria hitchcock, nao ha nada mais atemorizante do que uma porta fechada....e completo com, nao há nada mais assustador do que o que pode se passar na cabeça da porta fechada da mente do seu vizinho.... enfins, assustador
E eu saí do cinema feliz da vida pensando: Isso é verdade? Digo, ver um filme do Zé num cinema e em Mauá???
perdi o documentário do Mario Santos!
mas o do zé preciso ver, com urgencia!
cara, parabens pelos textos!!
sensacionais!!!!
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