quarta-feira, 29 de julho de 2009

A ERVA DO RATO


A Erva do Rato é um filme estranhíssimo em que coisas estranhas acontecem o tempo todo. Quem for à única sala de cinema em que ele é exibido buscando “entender” alguma coisa, ou perderá seu tempo ou terá de voltar outras vezes e fazer uma análise cuidadosa, porque é assim o cinema do Júlio Bressane,poético, composto de figuras de linguagem e que presta muito mais à experiência do que à compreensão completa.Um cinema,enfim, de significantes mais do que de significados. Por isso apenas amontôo aqui algumas observações :

Há presença significativa e recorrente do mar (ou do elemento água) que muitas vezes se faz presente apenas como som e que ora empresta seu significado à cena mostrada, ora funciona como um comentário/complemento. É também íntima a relação água-sexo-morte que percorre todo o filme e está maravilhosamente explicitada num único movimento de câmera, não por acaso o primeiro, em que a imagem se desloca de uma paisagem de praia belíssima para um pequeno cemitério, onde estão os dois únicos personagens do filme,interpretados por Selton Mello e Alessandra Negrini.

Há uma relação sexual que nunca se concretiza, pela repulsa que ambos personagens parece ter ao sexo e que está encarnada na figura do rato, que é o próprio desejo, ao mesmo tempo invasivo e abjeto, vida e morte e que escapa a quase toda tentativa de freá-lo.
Uma abóbora aberta e o rato a entrar e sair dela, representação do sexo repulsivo, da invasão odiosa aos olhos do homem amedrontado.


Há este casal que não ousam tocar-se e cujo erótico só se manifesta intermediado pela câmera fotográfica. A profusão de espelhos ao longo do filme demosntra e que refletem os atores destaca a importância da imagem. Esta é para ele perfeita, não a mulher e a ira dele contra o rato começa por que esse rói as fotos. Numa cena magnífica vemos ele fotograando Negrini a uma boa distância. Sua sombra, no entanto, assim que ele toca com a mão a câmera fotográfica , projeta-se sobre ela, tocando seus seios. Ao fundo, no espelho, a imagem é projetada de modo que eles parecem estar se beijando.


Seria um comentário a isso tudo o fato de, durante os créditos finais aparecer Bressane dirigindo a dupla de atores, para nos lembrar da representação, dessa existência dupla intermediada pela câmera?- o cinema não é mais do que fotografias em movimento.
E há, por fim, sequencias poderosas, que começam ridículas, quase cômicas, mas que de tão longas causam desconforto, como a do cadáver(não explico para não tirar o impacto de quem for assistir) ou a dos “espectadores” da nudez de Negrini.


Pode ser apenas coincidência, mas grandes obras extrapolam seu intento original. A Erva do Rato parece dialogar com uma mania que, se tem origem com a invenção da fotografia(ou até antes) agora ganha dimensão incomparável, que é a da excitação pela fotografia, pelo filme, como se ele tivesse uma vida independente do corpo. Hoje isso é chamado de sexting e virou mania entre adolescentes e jovens(mas não só), que enviam via celular ou postam na internet fotos de seus corpos nus, ou em poses sensuais . Devo retornar a esse tema com mais cuidado, em breve.


No mais, maiores significados devem ser buscados no significado da obra de Machado de Assis, sobreposta ao filme. Não é um trabalho fácil, mas Bressane nunca quis facilitar a vida de ninguém.

***A Erva do Rato está em cartaz na sala 7 do Frei Caneca Unibanco Arteplex (rua Frei Caneca ,569) somente às 18h10. Informações pelo fone: 3472-2365***

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