Para melhor estudarmos a sociedade globalizada (sobre a qual já discorri brevemente ao tratar da música e fotografia digital em janeiro deste ano), trago 3 filmes:Kairo, de Kiyoshi Kurosawa ( Sonata de Tóquio), terror de 2003 que permanece inédito no Brasil, mas que nos EUA é também conhecido como Pulse, mesmo nome da refilmagem ( essa sim saiu por aqui) que traz o selo “Wes Craven apresenta” e tem a gracinha Kristen Bell, das séries "Heroes" e "Verônica Mars". O outro é o suspense de 2007, Fim dos Tempos, de M.Night Shyamalan, diretor que conseguiu escapar do rótulo de criador de filmes com final surpresa e que fez aquele que é a maior crítica à política do medo e à obsessão pelo isolamento norte-americanas, A Vila.
Por fim a animação que está com as duas mãos mecânicas na estatueta da categoria no Oscar deste ano, Wall-E, de Andrew Stanton (do bacana Procurando Nemo).
Estes três filmes apresentam, cada um à sua maneira, uma visão crítica da sociedade ocidental contemporânea que ao mesmo tempo em que conecta virtualmente todos os indivíduos através da Rede, promove o isolamento destes mesmos indivíduos.
Por fim a animação que está com as duas mãos mecânicas na estatueta da categoria no Oscar deste ano, Wall-E, de Andrew Stanton (do bacana Procurando Nemo).
Estes três filmes apresentam, cada um à sua maneira, uma visão crítica da sociedade ocidental contemporânea que ao mesmo tempo em que conecta virtualmente todos os indivíduos através da Rede, promove o isolamento destes mesmos indivíduos.
A SOCIEDADE DO ISOLAMENTO
Manuel Castells, em seu livro A Sociedade em Rede assinala que o início desta sociedade está nos anos 1980 – é o início da sociedade globalizada, quando o maior bem não é mais o dinheiro, como fora no séc XX ou o produto, como até então- e cita um relatório elaborado pela Fundação Européia para a Melhoria de Vida e Ambiente do Trabalho, em que se destaca uma tendência crescente rumo a um individualismo cada vez mais acentuado. Há uma nova (naquele momento) tendência, que é a diminuição dos núcleos familiares, que contam com cada vez menos indivíduos, em virtude da alta no custo de vida e que passam a residir na chamada “casa eletrônica”, caracterizada pelo grande número de aparelho eletrônicos e também pelo maior espaço disponível por pessoa. Os aparelhos eletrônicos são portáteis (e parece bobagem explicar isso hoje!) e possibilitam que cada indivíduo organize seu tempo e espaço como melhor lhe convier o que acarreta num enfraquecimento de laços sociais. Exemplificando: comidas congeladas e forno de microondas permitem que que cada um faça as refeições no momento que lhe for mais conveniente assim como o barateamento dos aparelho de TV permitem que cada membro da família assista a seu programa preferido em um cômodo diferente da casa. O MP3 player (que não é senão outra versão do walkman dos anos 1980) faz da experiência de se ouvir música algo tão individual quanto os jogos eletrônicos, que num primeiro momento com o videogame e depois com os jogos em rede, fazem com que a experiência de se disputar uma partida seja partilhada por, no máximo mais uma pessoa. Os laços familiares tendem a ser mais rarefeitos do que aqueles nas casas em que ainda existe o ritual de se almoçar e jantar todos juntos, de assistir ao mesmo programa de tv ou disputar partidas de jogos de tabuleiro.
Um passatempo tradicionalmente coletivo, o Karaokê (que em 1991 estava presente em 100 % dos hotéis japoneses), deixa de ser o compartilhamento do canto desengonçado de uma pessoa , com participação de um coro igualmente sem talento (e provavelmente alcoolizado), para uma diversão individual cujo objetivo é seguir certos padrões cujos pontos “avaliam’o nível de talento do cantor amador.
Também nos 1980 o videocassete, que permitia pela primeira vez com que as pessoas gravassem os programas e os vissem no momento apropriado foi o primeiro golpe no horário nobre das tvs e um antecessor do fenômeno de se baixar séries televisivas potencializa a experiência de se ver tv (hoje na tela de um computador pessoal) numa experiência individual compartilhada apenas virtualmente com outras pessoas através de fóruns de discussão pela internet.
A sociedade da comunicação, ironicamente, isolou seus indivíduos e é a partir deste ponto de vista que analisaremos os filmes.
PULSE
Kiyoshi Kurosawa (nenhum parentesco com Akira Kurosawa, de "Os Sete Samurais") nos traz a história de pessoas mortas que começam a se comunicar com os vivos através de computadores conectados à internet. As pessoas que estabelecem contato com esses fantasmas morrem, desaparecem ou apenas desmancham-se como poeira até que o mundo começa a ficar completamente desabitado.
Kurosawa vê com maus olhos o mundo contemporâneo em que cada vez mais pessoas se tornam seres imateriais, cuja existência só se dá em rede, através da internet.
WALL-E
“Relacionamento? O último encontro holográfico que tive foi um desastre virtual !”
Esta é a frase dita por uma mulher enorme, tão gorda quanto todos os humanos que habitam a nave espacial onde o robozinho Wall-E vai parar em busca de sua amada, a também robótica EVA. Além de uma violenta crítica do consumismo, aspecto que mais chamou atenção da crítica, Wall-E toca fundo na questão do isolamento humano. Todos, ainda que sentados lado-a-lado em suas poltronas flutuantes, se comunicam através de sites de relacionamento. As conversas e amizades são mediadas pelo computador. Só num momento crítico, quando o vilão, espécie de Hall-9000(o computador de 2001-Uma odisséia no Espaço) cria uma turbulência na nave e as poltronas tombam é que as pessoas passam a enxergar umas às outras (e não mais suas fotos na internet) e, num gesto significativo, dão as mãos débeis uns aos outros, o que lhes resgata a humanidade que estava deformada e salva-lhes as vidas.
FIM DOS TEMPOS
Suicídios em massa misteriosamente se propagam como uma epidemia pelos EUA. Entre o pânico generalizado, algumas percebem que o causador de tudo isso é a própria natureza, que através das plantas libera toxinas que induzem as pessoas a tirarem suas próprias vidas. A ameaça leva as pessoas a se reunirem em grupos cada vez menores (fica provado que grupos grandes são atacados primeiro). Se o ataque é uma retaliação da natureza pelas agressões sofridas (isso propositalmente não será explicado) ele o faz destruindo o que de mais forte há entre os homens, seus laços sociais -e fica claro que uma sociedade que mina estes laços é uma sociedade que se destrói- até que só restem (no perímetro do ataque) duas pessoas isoladas uma da outra, significativamente um casal que estava à beira do divórcio. Numa construção antiga, cuja curiosa acústica permite a propagação do som (e a comunicação) entre casa principal e uma menor, bem próxima, o casal se põe a conversar amigavelmente, acreditando ser aquele seu último dia de vida. A comunicação à distância, mediada por um mecanismo difusor de som (no caso de WALL-E são os computadores) lhes parece patética e é então que decidem desafiar a morte e sair a campo aberto e se encontrarem pela última vez. Um gesto idêntico ao de WALL-E, o de dar as mãos vem apenas no momento mais crítico, quando tudo que importa é afirmar a humanidade, tão debilitada pelo isolamento.
Mal decorrente da globalização, o isolamento, tal qual a praga verde se propaga então, do centro econômico do mundo (Central Park) para outras fronteiras.
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