terça-feira, 31 de maio de 2011

DARIO ARGENTO- 4

A importância da cor Vermelha em suspiria  

Em Suspiria uma cor domina todo o filme: o vermelho. Ou melhor, domina a parte fantástica do filme, aquela partir do momento em que Susan deixa o aeroporto(a civilização) onde tudo é meio cinza, meio apagado. Uma figura,ainda lá, parece um prenúncio(como a chuva- ver post anterior) do mal: a mulher de vestido vermelho que passa apressada e é um corpo estranho, um fogo-fátuo em meio à calmaria. Por um rápido instante, o vermelho envolve Susan como vemos na imagem abaixo.


Antonioni, cineasta-pintor por excelência,como nos lembra Jacques Aumont, é um desses que utiliza as cores de maneira extremamente bem pensada:

“seu gosto pelas dominantes cinza (todo filme de Antonioni mostra a névoa), para fazer ressaltar melhor aí,como manchas fantásticas, a chama amarelo-limão das tochas de O deserto vermelho, as cores bem berrantes de Blow-up”.

Como já foi dito aqui, as cenas de Argento são construídas como pinturas e em Suspiria isso é ainda mais radical porque a imagem muitas vezes fica praticamente estática, convidando à contemplação. Nesses momentos Argento parece brincar com a arte abstrata, usando linhas, cores e os corpos das vítimas para criar uma imagem espantosamente bela. Não é por outro motivo que o sangue é de um vermelho vivo, que nos remete mais ao pigmento, à tinta, do que propriamente ao sangue real. A cena da garota pendurada no teto da escola é exemplar. Vemos ela morta, depois o chão, preto e branco. Em seguida goteja o sangue vermelho que começa a se espalhar, como se um artista o estivesse tivesse respingando com um pincel. E ela despenca junto dos cacos do vitral também vermelho.












O vermelho puro foi tradicionalmente usado na pintura figurativa para representar o fogo do Inferno, afinal é uma cor que,em demasia, gera  irritação, incômodo.

 Basta olharmos para a tela “A Morte da Virgem” (1605-06) de Caravaggio e sentir todo o incômodo do vermelho que torna a atmosfera asfixiante e nos passa sensação de temor, sofrimento e pesar.


Argento sabia bem disso quando fez a escola (fachada e interior) ser vermelha. Quanto mais Susan mergulha nos  domínios do mal, mais essa cor parece a envolver(e a nós também).


PS . Na última postagem da série, o cinema  "barroco" .

segunda-feira, 30 de maio de 2011

DARIO ARGENTO- 3

Suspiria

Um conto de fadas de horror


Para este filme Argento fez questão de trabalhar com o Technicolor, sistema já ultrapassado que tinha o inconveniente de empobrecer as nuances de cor. Para ele isso não era problema, pelo contrário, por que realçava as cores puras (tornando o vermelho ainda mais gritante) numa tentativa de mimetizar a paleta de cores do desenho animado da Disney, Branca de Neve. Por bom motivo: o sobrenatural, que ganhava espaço sobre o racional filme a filme, aqui toma conta e Suspiria, com a história de uma jovem bailarina que desce num aeroporto rumo à um prédio antigo e assutador no meio da floresta, não é outra coisa que não um conto de fadas, como aliás entrega o narrador em off logo antes dos créditos, como alguém que diz “era uma vez...”.


De fato há ainda a persistência do racional na presença de especialistas que “explicam” a bruxaria, no entanto não é a lógica que sustenta o filme, pelo contrário, desaba diante dele. Coisas acontecem sem explicação alguma ,como um braço que assassina um das jovens do internato. De onde vem? De quem é? Não se sabe.

Ocorre de início em Suspiria a cisão entre espaços, o moderno (civilizado) e o antigo (domínio do sobrenatural). A chuva torrencial com que a bailarina Susan Baynion é recebida no aeroporto é ao mesmo tempo a barreira a ser rompida entre os dois mundos mas também presságio do mal que virá. Sua volta, ao final do filme, induz mais ao mal-estar do que ao alívio,com seria comum. Ela não é um banho na alma, metáfora de purificação ou liberdade. Dado sua primeira aparição sinistra, indica uma permanência do mal , sua mutação, de fogo em água. Nisso Argento parece nos levar de volta à chuva que impede a fogueira de matar Asa, a princesa-bruxa de Máscara do Demônio, monstro ressurreto tal qual a Helena Markus de Suspiria.


De fato há ainda a persistência do racional na presença de especialistas que “explicam” a bruxaria, no entanto não é a lógica que sustenta o filme, pelo contrário, desaba diante dele. Coisas acontecem sem explicação alguma ,como um braço que assassina um das jovens do internato. De onde vem? De quem é? Não se sabe.

Ocorre de início em Suspiria a cisão entre espaços, o moderno (civilizado) e o antigo (domínio do sobrenatural). A chuva torrencial com que a bailarina Susan Baynion é recebida no aeroporto é ao mesmo tempo a barreira a ser rompida entre os dois mundos mas também presságio do mal que virá. Sua volta, ao final do filme, induz mais ao mal-estar do que ao alívio,com seria comum. Ela não é um banho na alma, metáfora de purificação ou liberdade. Dado sua primeira aparição sinistra, indica uma permanência do mal , sua mutação, de fogo em água. Nisso Argento parece nos levar de volta à chuva que impede a fogueira de matar Asa, a princesa-bruxa de Máscara do Demônio, demônio ressurreto tal qual a Helena Markus de Suspiria.

Os sons e o olhar

Se há um sentido profundamente enganoso em Suspiria, este é o olhar. É por meio dele que se comete todos os equívocos, é ele quem induz a julgamentos errados. Não à toa o personagem do pianista cego, antes de todos (e mesmo antes de nós, espectadores guiados pela visão) é que sabe o que realmente ocorre na mansão. “Eu sou cego, não surdo” ele sai dizendo ao ser expulso. A morte chega também para a garota que contempla sua imagem refletida na janela, durante uma noite chuvosa.


De fato, se o olhar é enganoso, a audição é indício constante da presença do mal.A trilha sonora composta pela banda de rock progressivo Goblins incorpora sons diversos, gemidos, sussurros que conferem vida ao inanimado e indicam essa presença fantasma, esse mal que percorre os domínios da mansão mas que em momento aalgum tem forma definida. Pelo contrário, ele(ou ela) é a indefinição completa, expressa somente pelos sons e por “imagens” que nada mostram. Como diz Jean Baptiste-Thoret:

“Quando o personagem penetra no lugar, o espaço subitamente se anima: gemidos e ruídos estridentes surgem na trilha sonora, sombras e manchas luminosas desfilam nas fachadas, até que um movimento de câmera- encarregado de reproduzir o ponto de vista ( ou o espírito?) de uma gárgula- fende o ar até o centro da praça. Tudo concorre aqui a movimentar o espaço, a transmitir a sensação de uma atividade espiritual ou orgânica, como se no coração destas estruturas imóveis palpitassem forças vivas e desconhecidas"

segunda-feira, 23 de maio de 2011

DARIO ARGENTO- 2

OS FILMES GIALLO


Apesar de Suspiria ser um dos melhores filmes de horror já feitos e a obra-prima de Dario Argento, o diretor estreou em 1970 com “O Pássaro das Plumas de Cristal” , filme do gênero giallo que,aliás, o fez célebre. Giallo na Itália é um gênero amplo, que engloba todo tipo histórias de mistério, trillers e suspense, freqentemente com um sujeito qualquer, que investiga crimes ajudando(ou à margem) da polícia. O nome vem de livrinhos baratos de capa amarela com tramas meio ao estilo Agatha Christie,bastante populares por lá.

Argento não era um novato, claro. Já tinha uma carreira como crítico de cinema em Roma quando, junto de Bernardo Bertolucci, escreveu o roteiro de “Era uma vez no Oeste”(1968), para Sergio Leone.

O Pássaro das Plumas de Cristal e seu filme seguinte, “O Gato de Nove Caudas”(1971), valeram a Argento o apelido de “Hitchcock italiano”, mais pelo estilo utilizado em algumas das cenas do que pelas tramas (o diretor inglês não fazia filmes de mistério*). Desde o primeiro longa algumas marcas já se impõem: um personagem cego, animais ocupando parte importante da trama ,a presença de um personagem masculino fraco, dominado por mulheres cruéis e mortes chocantes cujas vítimas freqüentemente são...mulheres.

As cenas ultra-violentas,aliás, se tornam a assinatura do diretor italiano,que faz o possível para se superar a cada filme. Mas também é marcante o fato do herói ser alguém de certa forma(ou amplamente) impotente perante os acontecimentos(em “O gato...” é um cego) e cujos erros na investigação não raramente causam mortes inocentes.

“O Gato...” traz uma guinada em relação às tramas tradicionalmente racionais dos giallo,feitas de deduções lógicas coerentes: a influência do absurdo, inexplicável, do fantástico. O desfecho do filme parece absurdo, incoerente, o que irrita muita gente.
                                                               "O Gato de Nove Caudas"

Seus filmes seguintes, apesar de não abrirem mão de personagens e tramas racionais, pendem cada vez mais para o fantástico. O ápice antes da guinada é “Profondo Rosso”,de 1975, que marca também a aproximação de Argento com o chamado cinema “de arte”, especialmente Michelangelo Antonioni.

A guinada,claro, é Suspiria, quando o fantástico toma a forma do horror e a investigação racional chega a ser quase um corpo estranho no organismo do filme. Quase.
 Cena de "Profondo Rosso"



* Hitchcock usava um exemplo para diferenciar suspense de mistério. No filme de mistério o assassino ou culpado só é revelado ao público e aos demais personagens no final. Trata-se de uma surpresa. No suspense sabe-se de início quem é o culpado(ou algo assim), mas os personagens,no entanto, ignoram.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

DARIO ARGENTO-1


Mario Bava

Não da para falar em Dario Argento, diretor de Suspiria, sem recorrer ao nome de Mario Bava, cineasta italiano que estreou tarde na direção(aos 46 anos)mas com uma dessas obras de impacto profundo, La Maschera del demônio.O filme, de 1959, é também chamado de “Mask of Satan” ou “Black Sunday”, dependendo do país e da versão, por causa da implicância dos censores da época com a violência inédita do filme.

A Máscara do Demônio(vamos chamar assim) reciclava o visual dos filmes da Universal Pictures dos anos 1930 e 40 para contar a história (baseada no conto “Viy”do russo Nikolai Gogol) de uma princesa do séc 17, Asa (interpretada por Barbara Steele, de “8 e ½”), condenada por seu próprio irmão, um inquisidor, por bruxaria e vampirismo.Sua pena é ter cravada no rosto uma máscara de ferro cheia de espinhos metálicos antes de ir para a fogueira. Asa promete retornar à vida e vingar-se de sua descendência.

A sequência de abertura , principalmente o golpe de marreta do carrasco no rosto de Asa, chocou a audiência e continua poderosa ainda hoje. Estaria fincada (com perdão do trocadilho) uma da bases do horror italiano, as cenas ultraviolentas.Visto então, o Drácula de Bela Lugosi parecia desconcertantemente ingênuo.



Mas fosse só por isso, A Máscara do Demônio não teria tido uma sobrevida mais longa do que a princesa Asa. Mario Bava demonstrou domínio pleno do preto-e-branco e um uso espantoso do jogo de luz e sombras(impressionante mesmo se comparado às obras da Universal Pictures) e da composição de cena que fazem o espectador esquecer algumas seqüências canhestras(até para a época) como um desajeitado morcego que ataca os invasores da cripta onde está a vampira. Bava compunha as cenas como um pintor “barroco”(vamos tratar disso adiante).

Com frequênca a câmera está em posição desconcertante e os objetos de cena ainda mais, quase colados nela, deixando os atores lá no fundo, numa perspectiva em diagonal.
Ou a ação principal é deslocada do centro para as lateriais da tela, deixando grandes áreas "livres" criando uma beleza literalmente assustadora. As cenas são para ser admiradas como belas pinturas, isoladas mesmo de seu contexto.
Tudo isso gera uma estranheza, um mal-estar que não passa desapercebido pelo espectador. 


Mario Bava não ficou restrito aos filmes de horror, até porque eles não eram populares na Itália,na época. Aventurou-se por um outro gênero, o giallo, que faria famoso Dario Argento, que soube absorver todas as lições do mestre, desde a violência chocante ao domínio da luz e da composição de cena.
A isso voltamos na próxima postagem.


terça-feira, 10 de maio de 2011

CINECLUBE GAMBALAIA -13/05 meia-noite

CINECLUBE GAMBALAIA especial
Sexta Feira 13 ! apresenta, à meia-noite:
 Suspiria(Itália, 1977 – 98 min.)  , de Dario Argento 
Uma jovem bailarina desembarca num aeroporto rumo à mais prestigiosa escola de dança da Alemanha.No entanto o estranho comportamento das professoras e acidentes bizarros a levam a crer que o local é tomado por forças sobrenaturais e à certeza de que não deve confiar em ninguém.


Assitir a Suspiria é como estar preso num pesadelo” 
- John Carpenter

Um conto de fadas macabro, barroco e psicodélico, com impressionante trilha sonora da banda de rock progressivo The Goblins, "Suspiria" é a obra-prima de Dario Argento e um dos melhores fiLMes de horror de todos os tempos.
 Não perca...é   GRÁTIS !
Espaço Cultural Gambalaia – R. das Monções 1018  - Santo André- f. 4316-1726   
 





terça-feira, 3 de maio de 2011

A GUERRA NO CINEMA


De ontem pra hoje só se fala na morte de Bin Laden.Pudera, visto que ele fez o que fez. Também,pelo mesmo motivo, não dá pra recriminar a comemoração do povo americano,assim como não dá quando queimam a bandeira americana dando tiros para o alto. São ações movidas pelo ódio, cada qual com seus motivos e todos sem um pingo de disposição a entender o outro lado. São as guerras e é assim desde que o homem é homem.

Curioso como os urros de “U-S-A, U-S-A” em praça pública ( que mostram o quanto esse país pode ser fundamentalista) nos remetem diretamente Gerard Butler berrando “This is Sparta!” em “300”, filme de Zack Snyder, espécie  de reprodução imagem a imagem da graphic novel de Frank Miller, “Os 300 de Esparta”(publicada no Brasil pela Abril e pela Devir).











Os povos orientais,representados pelos Persas, são obscurantistas, idólatras, feiticeiros e monstruosos . O eixo do mal, para usar uma expressão de George W.Bush. Contra a dominação deles se erguem os guerreiros honrados e destemidos que preferem morrer a ver seu ideal de pureza ser conspurcado. 300(o filme mais do que HQ , porque lida com imagem e não desenho) é francamente nazista em seu ideário de beleza e perfeição. Como não enxergar correspondência
na fascinação pelos corpos masculinos do cinema nazista de Leni Riefenstahl?















Normalmente quando se fala em “ideologia” se pensa imediatamente em algum engravatado num escritório moldando as coisas para fazer o público pensar de tal modo, manipular as pessoas. Não é assim. Ideologia é apenas(pelo menos nesses casos em que eu menciono) as convicções de uma nação. Claro, já funcionou de outra maneira, durante a tal política da boa vizinhança, governo Roosevelt, aquela coisa do Pato Donald dançando com Zé Carioca e os filmes que a Carmem Miranda fez nos EUA. Mas era outro cenário, outra coisa, tratava-se de conquistar corações e mentes durante a guerra fria.

Mas 300 (filme e HQ) é caso extremado como o é a figura ultra-direitista de Miller. Normalmente as coisas se dão mais pela construção oportunista de heróis e vilões e o caso mais evidente para nós,agora, é o de Rambo 3, dirigido por Peter MacDonald em 1988.

Lá vemos Rambo ajudando o pobre povo afegão,  a se armar e enfrentar os cruéis soviéticos que ocupavam seu território. A história se provou mais cruel do que os vilões do filme, uma vez que os tais pobres afegãos(que foram de fato treinados pelo exército dos EUA) se tornaram o Talebã e a Al-Qaeda. Ou seja, lá,entre os colegas de Rambo,enfrentando helicópteros enormes no lombo de um cavalo, estava Osama Bin Laden.