Teatralidade e persuasão são as palavras chaves para se entender o período artístico imediatamente anterior a rococó, o barroco e com o qual há mais semelhanças do que diferenças. Era como se as figuras retratadas em suas pinturas (caravaggio, oos irmãos Carracci) e esculturas (Bernini) fossem flagradas no momento mais impactante e comovente de uma cena de teatro . Vale ressaltar que não é o caso aqui de traçar a diferença entre barroco nórdico(protestante) e católico, vamos ficar mais com o último caso.
O Milagre de Sant´Anna, Bernini
Giulio Carlo Argan nota que
“Em ambos os casos(católico e protestante) a religião preocupa-se mais em dirigir as escolhas e os comportamentos humanos do que em contemplar e descrever a lógica providencial do universo”
Essa "lógica do universo" era a "alma" da arte dos dois séculos anteriores, o período do renascimento.
As igrejas católicas barrocas (até por oposição à austeridade protestante) flertavam com o exagero e buscavam mostrar-se como uma antessala do paraíso que permitisse ao devoto um breve contemplar da glória divina. Para isso, o excesso pinturas, imagens, esculturas, colunas e,sobretudo,muito ouro.
Biblioteca do mosteiro de Melk
Dos arquitetos desse período, E.H Gombrich diz que
“abandonavam todas as limitações(...)Há nuvens por toda a parte com anjos tocando música e gesticulando na bem-aventurança do Paraíso. Alguns pousam no púlpito, tudo parece mover-se e dançar,e a arquitetura que cerca o suntuoso altar parece oscilar ao ritmo dos cânticos jubilosos. Nada era normal ou natural em semelhante igreja,nem pretendia ser” .
A vida das cortes era também marcada pela teatralidade, por um excesso de regras de etiquetas e de conduta próprias de uma classe que não tem grandes obrigações e cujo maior orgulho era o ócio. As pequenas intrigas, os flertes amorosos são seu grande passatempo (a noção de família, amor e ciúmes eram bastante diferentes então a ponto da figura do/a amante ser quase uma instituição).
Quando chegamos à França do Rei Sol, Luís XIV(1638-1715), assistimos à transferência dessa lógica da teatralidade da arquitetura sacra para a das cortes. Ou, o que se chama de arquitetura rococó. Como nota John Summerson há mais semelhanças do que diferenças:
“Tenho certeza de que ´retórica´ é a palavra chave. Nesses edifícios, a linguagem clássica é empregada com força e drama para vencer nossa resistência e nos persuadir da da verdade que elas têm a comnicar-seja a glória dos invencíveis exércitos britânicos,seja a magnificência suprema de Luís XIV,ou ainda a abrangência universal da Igreja Romana.”
O palácio de Versalhes, construído entre 1655 e1682 não busca outra coisa senão a ostentação, a criação de um mundo fantástico e artificial habitado pela nobreza. E a moda pega no sul da Alemanha(o norte é protestante) , Áustria e outros países católicos onde casas de campo de nobres ganham pequenas cascatas,jardins labirínticos trasnformando-se em verdadeiros cenários teatrais, no qual seria vivida com mais desenvoltura o jogo de aparências dos nobres, regado a saraus e festas intermináveis. Era o perfeito contraste com as ruas escuras, imundas e violentas das cidades
No entanto Luís XIV era um rei de tamanha onipresença que basicamente toda pintura de seu período produzida na França era um classicismo grandiloquente voltada quase que unicamente à sua glorificação(ou à de fatso históricos dão reino). A arte,tal como seu governo, era centralizada em sua figura.
Palácio de Versailles
É com sua morte e a ascensão de Luis XV que as coisas mudam substancialmente tanto para o governo quanto para a pintura. O novo rei comporta-se como um mero mortal, despreza toda a liturgia do trono que marcava seu antecessor. Jean-Chrsitian Petitfils, diz que
“o belo relógio da etiqueta-com seus horário imutáveis-acaba desregulado:o cerimonial do despertar e do deitar varia em função das noites passadas com as amantes e do sono ser recuperado. Luis XV prefere refugiar em seus gabinetes,proteger sua vida privada do olhar alheio”.
É exatamente esse desprezo pela teatralidade que o tornará um monarca desprezado, não-sagrado e, de “protetor do rebanho”, a um mero tirano.
Sem o vórtice que era Luis XIV os pintores agora podiam atender aos nobres que queriam,sobretudo, ver seu ideal de vida nas telas. É o que chama-se de pintura rococó.E aqui a cisão é drástica com o barroco. Para José Manuel Pita Andrade era uma arte marcada pela “intimidade, ligeireza,às vezes voluptuosidade”.
São cenas de vida campestre, onde músicos fazem serestas para donzelas enamoradas em cenários irreais. Um elogio ao ócio, à alegria de viver, à beleza dos pequenos prazeres.
Há certamente diferenças marcantes entre nomes como Antoine Watteau(1684-1721) , François Boucher(1703-1770) ou Jean-Honoré Fragonard (1732-1806) e uma breve descrição com a feita aqui pode levar o leitor a pensar que se tratava de uma arte vulgar, menor, o que não é o caso. Para não nos extendermos, o que separa a pintura rococó da arte de um Renoir (pra ficar no exemplo da postagem anterior) é mais a técnica da pincelada do que a temática.
Os felizes azares do balanço (1717)- Jean-Honoré Fragonard
De qualqer modo era a arte feita para uma classe que ingenuamente não se apercebia do rufar dos tambores que lhes alcançariam em 1789, com a Revolução Francesa. Que não via que os privilégios conseguidos mil anos antes, como a isenção de impostos, eram profundamente atrasados e que, atrasada também era a França, que ignorava a Revolução Industrial ocorroida na Inglaterra e que mudava o ritmo da vida das pessoas(da badalada dos relógios da igreja para a contagem do ritmo das máquinas a vapor) e também dava nova feição à arte.
A revolução Francesa traria o fim desse modo de vida e também da arte e arquitetura rococó.
Peregrinação à ilha de Citera(1717) Antoine Watteau
Fontes consultadas
Imagem e Persuasão (Companhia das letras) - Giulio Carlo Argan
A História da Arte (LTC) - E.H.Gombrich
A linguagem clássica da arquitetura
(Martin Fontes) - John Summerson
História Geral da Arte Pintura - vol2 (Altaya) - Vários autores
Revista História Viva Especial Grandes Temas nº.2- A Revolução Francesa
FILMES
O historiador Marc Ferro recomenda todo o cuidado do mundo com o cinema para exemplificação de momentos históricos. Para ele, por melhor que seja a reconstituição, ainda é a visão de um diretor e não deve sob hipótese alguma ser tomado como documento histórico. Com esse cuidado em mente e mais outro(um fiolme é uma obra de arte, não deve ser reduzido apenas á fidelidade histórica ou servir apenas de muleta para professores) , recomendo os três filmes abaixo:
Maria Antonieta (2006), Dir. Sofia Copolla - – A era essa vida de frivolidades de uma nobreza imersa em seu mundo de fantasia e que sequer se apercebe da grande tragédia que está por fim, a Revolução Francesa e a decapitação do casal real. A saída de Maria Antonieta (Kisrsten Dunst) do palácio de braço dado com as filhas é de uma tristeza imensa.
Casanova e a Revolução (1982) Dir. Ettore Scola - Reconstituição cuidadosa para mostrar o símbolo e perfeita metáfora da nobreza, o conquistador Casanova (Marcello Mastroianni), envelhecido (como sua instituição) e contemplando um mundo que já não existe mais de dentro de uma carruagem, último refúgio de sua antiga condição.
Ligações Perigosas (1988) Dir.Stephen Frears - Para driblar o tédio, nobres franceses do séc 17 divertem-se armando jogos de conquista amorosa e intrigas sexuais.
6 comentários:
compra hauser , é fundamental pra entender barroco.... mas puta texto, alias
Opa, valeu ! Então, tenho Hauser. Ele tinha aquela mania de reduzir a arte unicamente a uma resposta à organização social e econômica mas é que de um conhecimento vastíssimo, impressionante. Mas boa, vou fazer uma transcrição dele aqui.
é, ele é um punheta marxista só que na renascença e até msm no barroco eu meio que concordo com a ideia de que a igreja usava as relações de mecenato pra bater com o pau na mesa.infrigir culpa no pessoal, esse tipo de coisa
Gente! O blog é bem feito, com belo acabamento, mas quando me deparei com os textos, bem... faltou muito se tomarmos por base a bela iconografia apresentada. Pseudo-conceituar maneirismo, barroco e rococó sem uma abordagem política é, no mínimo, vender um produto enganoso!
Gente! O blog é bem feito, com belo acabamento, mas quando me deparei com os textos... bem, faltou muito se tomarmos por base a bela iconografia apresentada. Pseudo-conceituar maneirismo, barroco e rococó sem uma abordagem política é, no mínimo, me tirar (leitor)para idiota!
Simone, acho mesmo que dizer que eu tomo o leitor e toda a gente por idiota é uma maneira mas ou menos polida de me chamar de idiota. Mas ok. Só não concordo quando você diz que eu pseudo-conceituo.Em nenhum momento disse "barroco é assim, rococó é assado", "barroco é a igreja tentando impressionar o fiel e ponto" . Me interessou muito mais a semelhança entre a arte religiosa(barroca)e a palaciana(rococó) na estratégia (ou objetivo) comum a elas, que era a persuasão. E também o afrouxamento dela representado por Fragonard e cia, num universo bem particular, a frança, num momento bem específico, o ocaso da monarquia absolutista e o apagamento da figura do rei. Veja que eu avisei qe não ia falar do barroco nórdico, protestante...
Mas eu acredito que blog é local para troca de idéias oportunidade do blogueiro que não é topetudo aprender algumas coisas. Gostaria sinceramente que vc me mandasse um texto, ou mesmo comentasse, explicando melhor sua diverg~encia, desconstruindo meus "pseudo-conceitos" ou mesmo apontando falhas na minha argumentação.
Abraço,
e obrigado pela visita.
Adilson
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