sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A ARTE CENSURADA PELO MARKETING


Em matéria de Silas Martí, no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo de 29/11 , ficamos sabendo que o Centro Cultural Oi Futuro, “bancado” pela empresa de telefonia Oi ,vetou a exposição de fotografias e vídeos da norte-americana Nan Goldin que estava marcada para estrear em janeiro no espaço carioca. Vetou porque considerou de mau gosto e ofensivo o material que continha fotos de adultos fazendo sexo ao lado de crianças ou uso de drogas e nudez. Segundo o comunicado, as obras vão contra os “os programas educacionais” apoiados por eles e que seguem “os preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente”.

O palavrório é só mais uma prova da profunda anemia intelectual dessa gente que detém o dinheiro e que “banca” o que você e eu temos o direito de ver exposto, seja numa galeria, museu, cinema ou teatro. Digo “banca” porque eles não fazem muito mais do que direcionar o dinheiro que deveria ir para os impostos através de leis de incentivo e lucrar muito com isso. Quase nada sai realmente dos bolsos deles. E,no fim das contas, é tudo uma questão de Imagem(Santo Baudrillard, rogai por nós!). Manter um espaço cultural agrega inteligência, vanguarda, modernidade,beleza e outras abstrações que os consumidores associam a arte e que transferem diretamente à imagem da marca. Programas educacionais mostram que eles não estão só interessados em esfolar os clientes mas estão preocupados, veja só, com nosso “futuro”. Sacou? E o mesmo bla bla bla vale para a tal da “sustentabilidade”.

Hoje a coisa é mais ou menos regulada, porque o Estado é quem aprova quais projetos culturais estão aptos a serem s beneficiados pela Lei Rouanet (a que permite a destinação de parcela do Imposto de Renda)e assim financiados pela iniciativa privada que pode escolher entre eles. Como quem decide o que é, ou não,  art,e é um engravatado com gel no cabelo que não entende nada do assunto, mas sim de marketing,  temos essa daltonismo mental que não diferencia uma coisa de outra e que permite, quando lhe convir, largar a arte às traças (com o HSBC fez com o Cine BelasArtes) para ir fazer propaganda com outra coisa qualquer. E dá-lhe todo mundo querendo financiar o Chico Buarque, a Maria Bethania e o Cirque Du Solei, porque,afinal, que não quer sua marca colada à imagem deles.

É uma pena, porque quem viu The Ballad of Love Dependency , de Nan Goudin, na última Bienal sabe que a nudez ali não tem essa conotação pornográfica que os engravatados retrógrados lhe atribuem. Sua obra tem a força de um soco no estômago, mas dado com toda ternura.

Lucidez absurda teve Hemingway quando, no autobiográfico Paris é uma Festa, escreveu a propósito de seus primeiros anos como escritor em contato com os muito ricos:

Quando exclamavam: “está ótimo, heim! Excelente!Você nem calcula a força que ele tem!”, eu me punha a abanar o rabo,de tanta felicidade,e me entregava àquela vida de prazeres,como se fosse apanhar uma vara que tivessem atirado para seu cachorro buscar,em vez de refletir:”Se esses cretinos gostaram do que escrevi,devo ter cometido um erro qualquer”.

***
Existe atualmente uma proposta para mudar a Lei Rouanet e, de uma tacada, tirar o poder de decisão que hoje fica nas mãos da iniciativa privada e corrigir a distorção  absurda que permite a concentração de 80  % dos recursos no eixo  rio-São Paulo. É o ProCultura, projeto de Lei o qual a iniciativa privada,como é de se imaginar, não vê com bons olhos.
A íntegra do projeto,que é de fevereiro de 2010,  está aqui:
http://www.cultura.gov.br/site/2010/02/03/74194/


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